Recuperado das drogas bailarino retorna aos palcos

Em apresentação recente na Sociedade Italiana com a amiga e bailarina Natali Batista

 

Foi em uma manhã lá de 1992 que um pequeno garoto tomou sua decisão. Como todas as crianças ele também tinha um sonho, mas já carregava a certeza do que queria ser quando crescesse. Na verdade, ele tinha o dom e pessoas da família percebiam alguns sinais.

 

Voltamos ao tempo para relembrar uma trajetória de sucesso, queda e destruição de parte de alguns anos da vida, mas em todas as situações a determinação foi fundamental para o personagem pedir ajuda e se reerguer, principalmente quando se fala em saúde física e mental.

 

Desde menino ele se encantava com a arte da dança e se arriscava em passos em casa mesmo. Com o passar do tempo, quem é que não queria dançar com aquele bailarino que fazia sucesso em Rio Claro?

 

Ele era Rafael Vicente de Paula Silva que, aos 11 anos, passou em frente a uma academia de Rio Claro, a Cadência Ballet e pediu para entrar, estava com a mãe. Foram recebidos pela proprietária. Mas, só depois de um tempo por insistência, ele voltou sozinho e disse que queria dançar, recebeu o apoio da dona que deu uma bolsa de estudos, por ele ser o primeiro menino.

 

“Eu fui a um espetáculo de uma amiga e aí tomei a decisão. É isso que quero para minha vida, mesmo não tendo nenhuma referência de menino dançando”, relembra. E foi aí que decidiu encarar os obstáculos e seguir seu sonho. Claro que enfrentou muito preconceito e tomou cuidado para não se abalar. Ele confiava no seu dom. “Quando eu me apresentava sempre tinha um deboche, mas sempre tive um entendimento em relação ao preconceito. Tinha receio de assumir que fazia balé. Na minha escola descobriram e foi uma das fases mais difíceis, porque eu era apontado, eu me isolava”, relata.

 

Até que um dia aconteceu uma apresentação no colégio e lá estava ele contagiando com seus passos junto a outras bailarinas. “Eu fui com uma resistência muito grande porque as pessoas tiravam sarro realmente de mim. Acabei dançando e quebrei essa barreira e as pessoas da escola passaram a me admirar.”

 

SUCESSO E FAMA

 

“Desde o início os professores identificaram o meu potencial e começaram a investir em mim”. E no mesmo ano, em 1992, ele dançou o primeiro solo e um Pas de Deux (dueto entre dois bailarinos). Foi aí que a concepção para a família também começou a mudar.

 

As apresentações não pararam mais. Dançava em praças e shoppings, onde o talento marcava presença e dava lugar também para a discriminação. “Também foi um fase complicada, porque muitos me xingavam, mas aos poucos tudo foi melhorando.”

 

Rafael teve a oportunidade de ir para São Paulo para dançar. Começou a receber premiações. Com 17 anos fez um curso de férias na capital e recebeu propostas para trabalhar em escolas como bailarino freelancer (recebia para ser o par das bailarinas). Veio outra decisão, a de ficar morando em São Paulo. Foi um susto para mãe e todos os familiares que não aceitaram de início. Mas já estava decidido e lá foi morar. Ficou em uma república de bailarinos.

 

Foi subindo mais degraus. Entrou para Escola Especial, uma das melhores de São Paulo até hoje. “Comecei a trabalhar lá dentro e desenvolver mais meu talento, começaram a surgir oportunidades. Dancei em várias companhias de dança renomadas, com duplas sertanejas famosas, passei por testes, dancei como convidado em muitos lugares. Ganhei o primeiro lugar em um festival grande de Santos. Foram muitas conquistas mesmo”, conta.

 

DROGAS

 

“Sempre fui muito careta, quase não bebia nada. Mas em São Paulo conheci a noite, comecei a sair, mesmo assim muito cauteloso, chegava até ser preconceituoso quando alguém dizia que fumava maconha, perdia a amizade. Mas as coisas mudaram, comecei a achar que era natural”, relata.

 

Rafael conta que apesar de passar a ver de outra forma não tinha contato com droga até que uma certa noite bebeu muito e estava passando mal no banheiro, quando um rapaz que até então era seu amigo inseparável ofereceu. “Eu lembro como se fosse hoje. Ele disse vou te dar uma coisa que você vai melhorar rapidinho, eu não queria, mas a insistência foi tanta, ele chegou a me intimidar e eu querendo melhorar, acabei aceitando. Nem imaginando que aquilo tudo me levaria para o fundo do poço”, disse.

 

E foi realmente o começo de uma outra realidade, mas dessa vez, de decadência. Rafael disse que foi indo e consumindo cada vez mais, todas as vezes que saía. “Comecei a perder o controle da situação e isso durou alguns anos.”

 

Nesse tempo a mãe de Rafael acabou falecendo. Ele decidiu voltar para Rio Claro com objetivo de ajudar a família, já estava em queda na profissão e tudo isso no fim colaborou mais ainda para se entregar. “Perdi o trabalho, perdi a motivação eu tinha tudo e não tinha nada”. A droga também afastou amigos da vida de Rafael e ele não se reconhecia mais. Mesmo assim relata que não se importava, porque era movido pelas drogas.

 

CHOQUE DE REALIDADE

 

Rafael dizia que queria parar, mas estava consumido. Até que um dia acabou apanhando na rua. “Eu cheguei na minha casa eu estava todo machucado eu sentei na frente do espelho me olhei e falei, ‘o que eu estou fazendo com a minha vida?’. Passou um filme na minha cabeça. Disse, ‘isso não é para mim, eu tenho família, amigos, talento’. Queria sair daquela realidade”, afirma. E foi pedir ajuda.

 

SOLIDARIEDADE E TRATAMENTO

 

E quem esteve ao lado dele nesse momento foram as amigas, a empresária Flávia Trovó que fazia parte do mesmo grupo de dança no passado e Suzana Vilela. Elas se uniram com outras amigas para custear todo o tratamento do Rafael. “Eu liguei para ela e disse que precisava de ajuda, queria me internar”, relata Rafael.

 

Flávia conta que antes disso foram juntos a um evento e ela se assustou com seu estado e já ficou preocupada. A amiga não virou as costas mas foi enfática. “Eu tinha dito que estaria com ele para o que precisasse. Só que deixei bem claro. Tem uma coisa, a gente vai te ajudar mas é uma vez só, você tem que aproveitar, se dedique”, relembrou Flávia.

 

Ela fica emocionada ao lembrar da fase do amigo, mas hoje o sentimento é de alegria e missão cumprida. “Foi muito sofrimento, é fácil julgar, apontar, mas não é por aí. Fizemos sem pensar dentro do que ele precisava. Foi uma vitória muito grande”, diz Flávia. E completa dizendo que o viu dançar recentemente “É uma emoção vê-lo dançando de novo, por ter vencido muita coisa sozinho, é merecedor de tudo”, declara.

 

Sobre o período de internação, Rafael diz que não pode dizer que sofreu no tratamento, pois queria muito mudar e encarava como oportunidade única. “Eu achava maravilhoso receber o apoio dos meus amigos”, afirma Rafael.

 

Entrou na clínica Peniel em Rio Claro muito debilitado, pois o estágio nas drogas era avançado. Mas conforme foi se recuperando, começou a trabalhar lá dentro mostrando para os demais que era possível a mudança. Foi estudar sobre dependência química para ajudar, se tornou instrutor e ajudava na comunidade. Foram sete meses de tratamento. Mesmo após o término continuou trabalhando na clínica e ocupou o cargo de coordenador, onde ficou por mais de um ano. Rafael, hoje com 36 anos, diz que está recuperado e há três anos livre das drogas.

 

RETORNO À ARTE

 

Depois de encerrar as atividades na clínica, Rafael trabalhou no Centro Dia do Idoso onde ao lado de uma amiga Natali Batista fez uma apresentação clássica. “Até mesmo dentro da clínica eu era visto como o menino que dança, nunca perdi esse rótulo. A dança sempre me acompanhou. Eu pensava numa maneira de retomar, porque sentia que minha vida é a dança.”

 

Rafael encara tudo que passou como um aprendizado e hoje quer mostrar que a dança clássica pode ser acessível. “Eu comecei a desenvolver uma metodologia para inserir todo tipo de pessoas como as que não tem corpo imposto pela sociedade como o mais perfeito para dança, pessoas com deficiência. Por que a pessoa da periferia não pode ter acesso a dança clássica? Tenho a intenção de realmente transformar essa minha vivência em dança para curar e salvar pessoas. A dança modifica, restaura, ressuscita”, finaliza.

 

Hoje o bailarino já realiza alguns trabalhos além de participar de projetos sociais. E diz que não quer mais perder tempo. “Eu não posso reter tudo isso para mim, tenho que passar essa experiência que eu tive com as drogas, para que as pessoas acreditem que é possível sim, e se eu consegui todo mundo pode conseguir”, conclui.

 

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Fonte: Diário


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