O capital de giro não precisa ser o vilão, nem do seu negócio, nem do negócio do Zé Raimundo
O Zé Raimundo era um empreendedor fantástico, tinha inventado uma rebinboca que era usada nas lojas de varejo e aumentava as vendas em até 10%! Todo magazine queria um e tinha até fila de espera. O Zé estava feliz que só, o negócio ia bem demais e a empresa vinha crescendo de forma exponencial até que um dia, de repente, do nada, o dinheiro acabou!!! Quando ele veio falar comigo estava desolado, não tinha dinheiro em caixa e nem crédito no banco. Tinha uma fila de espera de pedidos, mas achava que ia ter que fechar a empresa pois não dava para pagar folha, fornecedores, etc. E o Zé me perguntava: o que deu errado, o que deu errado?
O caso do Zé Raimundo é só um, entre muitos que já vi por aí. Eu adoro trabalhar com empreendedores, é um povo otimista até o último fio de cabelo e com uma energia realizadora fenomenal. É uma galera que, contra tudo e contra todos, transforma ideias de negócio geniais em realidade. E daí surgem as empresas, que começam pequenas e vão crescendo, crescendo, crescendo até o dia em que o maldito capital de giro começa a fazer seus estragos…
Eu fiz quatro perguntas para o Zé:
– Que prazo de pagamento você dá para os seus clientes? – “Meus clientes são grandes magazines de varejo, têm grande poder de barganha e eu sou um fornecedor pequeno. Normalmente não consigo receber em menos do que 60 dias.”
– Qual seu prazo de pagamento com os fornecedores? – “Minha rebinboca usa umas peças importadas, que eu compro direto dos importadores. Eles sempre exigem pagamento à vista, na colocação do pedido. A outra parte eu compro de fornecedores locais, que pedem 50% no pedido e 50% na entrega, que normalmente ocorre 15 dias após o pedido.”
– Qual o tamanho do seu estoque? – “Esses importadores têm uns lotes mínimos meio grandes, tem algumas peças que eu compro e que duram de 6 a 8 meses, outras ficam no estoque entre 4 e 5 meses.”
– Veja bem Zé, se você tem um estocão, paga a vista e recebe a prazo, vai ser meio difícil fechar a conta, né? Como você financia seu capital de giro? – “Capital de onde???”
O primeiro problema é que o Zé Raimundo, assim como muitos outros empreendedores, só atentou para a importância do capital de giro quando o caldo já tinha entornado. Capital de giro é o dinheiro que você precisa ter para manter seu negócio funcionando. Tecnicamente, o capital de giro é a diferença entre o seu ativo circulante (o que você tem disponível em caixa, nos bancos, em aplicações financeiras e no contas a receber de curto prazo) e o seu passivo circulante (o que você deve no curto prazo para fornecedores, contas a pagar e bancos). Se os seus ativos de curto prazo são maiores do que os passivos, você é um empreendedor feliz, pois sua própria operação financia o capital de giro. Por outro lado, se os seus passivos de curto prazo são maiores do que os ativos de curto prazo, você, assim como 99% das empresas, precisa de uma fonte para financiar seu capital de giro, para manter seu negócio funcionando.
O segundo problema é que o Zé Raimundo, assim como muitos outros empreendedores, não fazia a menor ideia de como calcular a necessidade de capital de giro da sua empresa. A necessidade de capital de giro está diretamente ligada ao seu Ciclo Financeiro, que é a velocidade com que o dinheiro “roda” na sua empresa. Quanto mais longo (maior) for o seu ciclo financeiro, maior será a sua necessidade de capital de giro. O Ciclo Financeiro é calculado da seguinte forma: Prazo Médio de Renovação do Estoque (PMRE) + Prazo Médio de Recebimento das Vendas (PMRV) – Prazo Médio de Pagamentos (PMP).
Em outras palavras, para reduzir a necessidade de capital de giro (disponibilidades de curto prazo menos compromissos de curto prazo), você precisa reduzir o ciclo financeiro da sua empresa. O Zé ouviu tudo com atenção e disse: – “Legal, mas como se faz?”
1- Reduza o prazo de recebimento da sua empresa
A primeira medida, e normalmente a mais difícil, seria reduzir o prazo de recebimento da sua empresa. O problema é que a única maneira de fazer isto é reduzir o “financiamento” aos seus clientes, por exemplo, reduzindo o prazo de parcelamento das vendas e incentivando que seus clientes paguem a vista. É algo difícil de ser feito, especialmente em momentos de crise, nos quais o poder de compra dos seus clientes estará reduzido e se existem concorrentes que praticam políticas de financiamento das vendas mais agressivas. Vai ser difícil nadar contra a maré, mas é importante que você verifique se não existe espaço para alguma melhoria no seu prazo médio de recebimentos.
2- Otimize seu estoque
Em segundo lugar, é necessário otimizar o estoque (e reduzir o ciclo de produção, para quem é da indústria). Eu costumo ver muitas empresas pequenas e médias que se “super estocam” para conseguir preços melhores junto aos fornecedores. O que o pessoal não percebe é que o ganho no preço de compra vai embora na linha de despesas financeiras, que são os juros que você vai pagar aos bancos para te financiarem. É claro que é importante conseguir bons preços junto aos fornecedores, mas isto não pode se dar em troca de um estoque maior do que o necessário. Fuja de “pedidos mínimos”, “preço promocional para uma compra maior do que X” e outras pegadinhas do gênero. Esse era um dos problemas do Zé Raimundo. Ele estava carregando um estoque muito maior do que o necessário pois acreditava que “compras em escala” traziam uma vantagem e também que ele não conseguiria fugir dos “pedidos mínimos” de alguns fornecedores. Lembre-se que a crise bate em todos. Em momentos mais complicados, os seus fornecedores também estarão sofrendo e, por isso mesmo, serão mais flexíveis para negociar o tamanho dos pedidos e as condições de pagamento.
3- Negocie melhor com seus fornecedores
Em terceiro lugar, negocie melhor com seus fornecedores. Aumente os prazos de pagamento. O famoso “desconto para pagar a vista” só vale a pena se for maior do que o custo do seu capital de giro. O que você paga em 30 dias, passe a pagar em 45. O que você paga em 45, passe a pagar em 60, e assim por diante. Aqui, a sua empresa é a cliente e normalmente o poder de negociação está do seu lado. Mesmo um fornecedor grande não vai querer perder a venda. Jogue duro! Na crise, todo mundo fica mais flexível. Outra dica importante: gaste menos! Seja mais criterioso nas despesas, questione a real necessidade de cada despesa. Dinheiro tem que ser difícil de gastar! Não facilite e “desburocratize” os processos de aprovação de despesas. Faça o contrário, use a burocracia a seu favor, para ter gastos mais controlados e melhorar seus resultados.
4- Alinhe o bônus de seu time ao ciclo financeiro
Por fim, alinhe o bônus do seu time ao ciclo financeiro! O Prazo Médio de Recebimento das Vendas tem que fazer parte das metas da área comercial, o Prazo Médio de Renovação dos Estoques tem que fazer parte das metas da área industrial (para quem produz), do pessoal de vendas e marketing e o Prazo Médio de Pagamentos faz parte das metas do pessoal de compras. O Tesoureiro (ou o Controller, conforme o caso) que faz o papel do “Xerife” do Ciclo Financeiro, tem como meta o próprio resultado do Ciclo Financeiro. Isso vai fazer com que ele fique igual a um Pitbull em cima do pessoal comercial, industrial, de compras, etc.
Normalmente já não é fácil, e em momentos de crise fica um pouco mais difícil, mas uma gestão consciente e ativa do Ciclo Financeiro é a única maneira de evitar uma crise de capital de giro. E não se iluda, gerir o caixa não é algo que se faz uma vez por mês, na reunião de resultados. É um trabalho diário, constante e que exige persistência, mas que pode representar a diferença entre uma vida longa e próspera para sua empresa ou engrossar as estatísticas dos 50% de negócios que quebram antes de dois anos de vida.
Artigo de Allan Grossmann, CFO do Beleza Natural, publicado originalmente pela Endeavor Brasil e gentilmente cedido ao Administradores.com.