Kadiza Sultana, Amira Abase e Shamima Begum, três adolescentes britânicas que fugiram para a Síria em fevereiro, para se juntar ao EI
Como o grupo extremista muçulmano autodenominado “Estado Islâmico” radicaliza jovens muçulmanos pela internet?
A experiência de um adolescente britânico, que alega ter rechaçado as investidas do “EI”, revela táticas similares às de grupos que tentam disseminar a anorexia e a autoflagelação.
Sajid abriu uma conta falsa no Twitter cerca de um mês após seu irmão Arshad desaparecer. Arshad nunca tinha exibido sinais de radicalização ou mesmo interesse específico na guerra civil da Síria. Mas as evidências estavam lá: a cama do irmão estava vazia e seu passaporte tinha desaparecido.
E seu histórico de buscas na internet mostrava uma grande quantidade de conteúdo relacionado ao grupo radical.
Mais tarde, Sajid foi contactado por seu irmão – que a essa altura já estava na Síria e contou que, assim como centenas de outros jovens britânicos, tinha decidido se juntar à guerrilha do “EI”.
Mas Sajid queria saber mais. Usando um nome falso árabe, que ele pegou de um programa de TV, ele começou a fazer buscas no Twitter usando os termos Isis (a sigla utilizada em inglês pelo “EI”) e Síria, além de seguir contas associadas ao grupo.
Revanche
Imediatamente, ele começou a ser seguido por um “fã” dos extremistas. Trocaram algumas mensagens antes de Sajid fazer o log off para cuidar de sua lição de casa da escola.
Duas horas mais tarde, quando voltou ao Twitter, Sajid já acumulava 5 mil seguidores. Depois de mais alguns bate-papos, ele começou a conversar mais regularmente com seis usuários.
Alguns estavam na Síria e outros se diziam adeptos do “EI” no Ocidente. Apesar de Sajid dizer que condenava as ações do irmão, os interlocutores se mostravam extremamente compreensivos.
“Nenhum deles me pediu para ir para a Síria ou mesmo apoiar o ‘EI’. Foi algo chocante, pois esperava que me pressionassem. Eu ainda não sei por que não me pediram apoio”, contou Sajid à BBC, por meio de uma conversa eletrônica.
A experiência do jovem contrasta com o que se supunha sobre as atividades de recrutamento do ‘EI’: a de que seus agentes estariam online à espreita para assediar jovens inocentes, ao estilo de pedófilos ou fraudadores.
O cenário descrito por Sajid tem menos a ver manipulações sinistras e mais com comunidades que celebram a anorexia, a autoflagelação ou teorias da conspiração.
Esses grupos agem atraindo pessoas com interesses comuns e que estimulam umas às outras a compartilhar fotos e vídeos sobre suas obsessões. Agindo assim, os comportamentos que os integrantes celebram acabam normalizados pela ação do grupo.
Ainda assim, Sajid foi alvo de um fluxo constante de propaganda por meio de redes abertas e mensagens privadas. Grande parte das informações era relacionada à perseguição de muçulmanos sunitas pelas forças de segurança no Iraque (país de maioria xiitas) e à vingança dos militantes do “EI”.
Para Sajid, pareceu que o argumento-chave dos contatos era a ideia de retribuição contra atrocidades cometidas contra sunitas.
Contato
“Depois de assistir a alguns vídeos e ler sobre crimes cometidos por xiitas, fiquei com raiva e até gostei de uma execução de um policial iraquiano”, conta.
Foi um momento crucial para Sajid. Ele estava sendo atiçado pelo “EI”. E estava sendo radicalizado como seu irmão.
“Fiquei chocado quando questionei minha consciência. Concluí que não apoiava as ações de modo algum. E parei de assistir aos vídeos. Cheguei a pensar se meu irmão não estava certo. Mas acho que se trata de uma decisão pessoal.”
O adolescente disse ter refletido sobre as consequências de um possível envolvimento com os radicais:
“Vi o impacto que a partida do meu irmão causou em nossa família. Meus irmãos menores se recusavam a comer e não conseguiam dormir. Não creio que meu irmão tinha ideia de como suas ações estúpidas iriam afetar nossa família.”
Entre os contatos de Sajid estavam dois militantes do “EI” na Síria, que frequentemente lhe passavam informações usando o aplicativo de chat Kik. Ele progressivamente se transformou em uma espécie de fonte de consulta para assuntos ligados às atividades dos extremistas. Percebeu que poderia manter uma fachada para, na verdade, operar desestimulando outros possíveis recrutas.
“Tive que fingir apoiar o grupo e, ao mesmo tempo, dizer às pessoas para que não o seguissem. Houve um dia em que uma menina somali morando em Londres me acusou de ser um espião quando falei para ela que não se juntasse ao ‘EI’. Achei que ela fosse me denunciar. Mas depois ela me contou que tinha desistido”.
Pelo menos 700 pessoas vivendo no Reino Unido se uniram a causas jihadistas no Iraque e na Síria, segundo autoridades de segurança britânicas.
Uma delas é o irmão de Sajid – uma das pessoas que ele não conseguiu convencer a deixar a causa jihadista. Ele diz ter tentado convencê-lo, mas desistiu depois de ser ignorado pelo irmão e por temer perder o contato com ele.
Fonte: Uol