“Blade Runner 2049” é uma continuação e uma homenagem ao clássico de 1982. O filme repete a fotografia e a atmosfera sombria do original, mas faz avançar a reflexão sobre engenharia genética e inteligência artificial (Luís Antônio Giron)
Chove sem parar em Los Angeles. A torrente tóxica cobre a megalópole de perigo e mistério. A ambientação de “Blade Runner 2049”, do diretor canadense Denis Villeneuve, é quase a mesma da ficção científica noir do diretor inglês Ridley Scott, “Blade Runner, o caçador de androides”, lançada sem alarde em 1982, mas que se tornou um cult movie. Villeneuve mantém a paleta de cores da fotografia original, bem como a ambientação futurista e suja, garantida pela presença de Scott como produtor executivo. O roteiro mantém coesão com o original baseado no conto “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” (1968), de Philip K. Dick, mas sem adaptar um livro. Foi escrito pelo roteirista Hampton Fancher, o mesmo do primeiro filme, e por Michael Green, autor de “Alien: Covenant”, de Scott.
A diferença entre os dois filmes é que a ação do segundo transcorre 30 anos depois da história do primeiro. Nesse meio tempo, por volta de 2021, um blecaute mundial destruiu todos os dados digitais. A situação provocou a fuga de replicantes e do policial Rick Deckard (Harrison Ford) em companhia da androide Rachael (Sean Young). Na continuação comparecem novas tecnologias, como os anúncios de mulheres em animação holográfica, a maior exclusão social – fora da área urbana, miseráveis povoam lixões vigiados por drones — e o avanço na engenharia genética. Esta acontece a cargo da corporação Wallace, que comprou o espólio da falida Tyrell, fabricante pioneira de replicantes, e produz androides obedientes e seres virtuais. O dono da empresa, Niander Wallace (Jared Leto), domina a cidade e obriga a polícia a achar um elo perdido: um indivíduo concebido durante o blecaute por uma androide e um homem. Tal criatura pode revolucionar a replicação em massa. Cabe ao policial androide K (Ryan Gosling) investigar o caso. Ele termina por encontrar Deckard, solitário e isolado, com um cão por companheiro. K quer saber se o animal é sintético. “Pergunte a ele”, diz Deckard. “Eu sei o que é real.” É tudo o que K não sabe, pois se espanta ao ver uma abelha e confunde mundo virtual e concreto. Sua namorada, Joi (Ana de Armas), não passa de uma imagem inteligente gerada por um aplicativo de realidade aumentada.
Os dois filmes tocam os mitos de Prometeu e de Frankenstein, personagens que desafiam a natureza para criar vida. “É o tema do homem que quer ser Deus”, afirma Villeneuve, de 50 anos, diretor de filmes violentos e cerebrais como “Sicário”, de 2015. O amor por “Blade Runner” o levou a escolher o cinema como carreira. “Era uma combinação inédita de filme noir e ficção científica”, diz. “Além disso, projetava o futuro nos anos 80 do ponto de vista tecnológico, sociológico e demográfico.” Ele convenceu Scott a produzir o filme. “Nunca pensei numa sequência”, diz Scott. Mesmo assim, não se satisfez com a versão original e fez dois “director’s cuts”, em 1992 e 2007. Neles, tirou o final feliz e embaralhou pistas. Isso fez o público especular mais. O filme não se esgotava com a revelação final.
“Blade Runner 2049” se propõe a resolver enigmas dados como insolúveis. O enredo parece mais simples e menos noir que o primeiro. Sua história se refere mais à busca de identidade do que uma caçada de androides. Mas o objetivo final foi discutir ideias atuais sobre realidade aumentada e os limites do humano com a implantação da inteligência artificial que irá destruir a humanidade, segundo o físico Stephen Hawking. Para além das discussões, a segunda aventura é uma declaração de amor emocionante à primeira, pois mantém um lirismo amargo que se condensa em chuva ácida. A história continua forte e promete não se interromper enquanto o espectador soltar a imaginação.
(Luís Antônio Giron)
Fonte: IstoÉ