Por: Alessandra Morgado
O que uma jornalista de Piracicaba (SP) e um quilombola (PA) têm em comum? Resposta: castanhas-do-brasil. Nada menos que 2.494,96 quilômetros separam a jornalista Alessandra Santos, 30, moradora de Piracicaba, das castanhas-do-brasil, que ela consome diariamente como lanche entre as refeições. É aí que entra Daniel de Souza, 57, Quilombola da região de Oriximiná (PA), na bacia do Rio Trombetas.
Mais conhecidas como castanhas-do-pará, as castanhas vêm da Floresta Amazônica, mas até chegar às mãos da jornalista, essas sementes ricas em nutrientes benéficos à saúde humana, fazem um longo e tradicional trajeto, que faz parte da história de mais de 200 anos de comunidades de quilombolas que foram formadas por escravos que fugiram de fazendas da região, além de outras comunidades tradicionais e populações indígenas que também coletam castanha em Unidades de Conservação da natureza – espaços protegidos para conservação e uso dos recursos somente de forma sustentável – e em terras indígenas.
As castanheiras ou Bertholletia excelsa nascem no meio da mata, por isso os quilombolas precisam ‘morar’ na floresta de janeiro a abril para fazer a colheita dos ouriços, frutos da castanheira que contém as castanhas, que caem das árvores de 30 a 50 metros de altura. Durante esse tempo se alimentam do que a mata oferece, como a própria castanha, além de peixes, que os rios da região têm em abundância.
O Quilombola Daniel nasceu na comunidade de Jauari, uma das várias da região que descendem de quilombos. Foi lá que aprendeu a história de seus antepassados escravos fugidos, além do extrativismo da castanha, que é fonte de renda para as famílias.
Apaixonado pela floresta, Daniel diz que a rotina dos castanheiros é puxada, com direito a pegar malária mais de uma vez no período de imersão na floresta, carregar peso nas costas e abrir trilha no mato. Subir e descer morros a pé, já que nem veículos ou barcos chegam muito próximos ao local.
Enquanto a jornalista Alessandra paga, aproximadamente, R$ 64 o quilo de castanhas beneficiadas e prontas para o consumo, o castanheiro recebe R$ 1 pelo quilo do produto bruto.
“Acho absurdo (o preço pago em Piracicaba), principalmente quando vou para outros Estados do país e vejo que lá dá para comprar quilos e mais quilos com o valor que pagamos aqui. É um trabalho muito sofrido que eles têm, para não conseguir sobreviver com dignidade. Infelizmente é a realidade brasileira, principalmente, nestas regiões mais pobres”, diz Alessandra.
A discrepância de preços é fruto de um desequilíbrio comercial, com o qual a comunidade de Daniel vem trabalhando, com apoio do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) que desenvolve o projeto Florestas de Valor.
A iniciativa – que conta com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental, do Fundo Vale, do BNDES, da Fundação Moore e do PNUD – é realizada em três territórios de comunidades tradicionais e agricultores familiares no interior do Pará: Calha Norte do Rio Amazonas, São Félix do Xingu e Terra do Meio. Em cada uma das regiões, o projeto ajuda a estabelecer caminhos para uma nova economia que tem na floresta e nos modos de vida locais o seu principal valor.
Juntas essas regiões produziram em 2013, segundo o IBGE, 21% das 38 mil toneladas/ano de castanha-do-brasil produzida no país, o que significa algo em torno de 7.902 t/ano.
A lógica de demanda operando sobre o preço – destacada pela jornalista- é uma das ações do Florestas de Valor para valorizar a castanha-do-brasil e, assim, melhorar o retorno financeiro para os castanheiros, segundo Roberto Palmieri, gerente de projetos no Imaflora.
“Só de o consumidor aqui do Sudeste optar pela castanha-do-brasil já é um grande incentivo para a atividade, valorizando um produto nacional e contribuindo para proteção das nossas florestas e das comunidades que vivem nelas. As castanhas-do-brasil somente são colhidas em florestas e por populações locais ou indígenas”, diz Palmieri.
O consumo da castanha ajuda a proteger as florestas, além de permitir que comunidades tradicionais continuem em suas regiões de origem de forma digna. É importante salientar que o consumidor deve estar atento a origem da castanha, assim como de qualquer produto, para saber que vem de boas práticas para conservação da floresta e com condições de trabalho dignas. Para isso, a certificações e demais sistemas de garantia de origem são fundamentais, como o que o Imaflora vem desenvolvendo para auxiliar os compradores e consumidores a identificar produtos que seguem critérios sociais e ambientais. “Além disso, é um produto excelente para a saúde do consumidor por seu valor nutricional, sem conservantes e sem o uso de agroquímicos, além de ser um produto nativo”, afirma o gerente.
Benefícios da castanha à saúde
Alessandra tem uma rotina puxada de seis dias de exercícios físicos por semana, sendo as manhãs de sábado dedicadas à corrida ao ar livre com um grupo que mantém percursos de até 15 quilômetros. Ela consome até três unidades das castanhas-do-brasil pela manhã na hora do lanche. “Acredito que para mim auxilia no bom funcionamento do intestino”, diz.
A nutricionista Camila Benittes Fantazia, 32, responsável pelo restaurante do Instituto Formar de Piracicaba, afirma que a castanha é fonte de lipídeos do tipo poli e monoinsaturado, ou seja, gordura de boa qualidade.
“Ela ajuda a reduzir os níveis de colesterol ruim (LDL) e aumentar os níveis de colesterol bom (HDL) no nosso organismo. Ela também é rica em ômega 3, que consumida diariamente nas porções recomendadas podem prevenir doenças do coração”.
Do grupo das oleaginosas, como as nozes, amêndoas, avelãs, macadâmias, semente de linhaça e gergelim, as castanhas são ricas em vitaminas, minerais e fibras que auxiliam no bom funcionamento do intestino.
“Outro fator nutricional que vale ressaltar na castanha-do-pará é a presença do mineral selênio e a vitamina E, dois importantes antioxidantes que combatem os radicais livres, retardando o envelhecimento, além de prevenir algumas doenças”, afirma Camila.
A nutricionista afirma que a castanha pode ser consumida na forma de lanches entre as refeições ou se pode adicionar a semente picada a saladas de frutas, iogurtes e outras preparações, como moqueca de peixe, bolos, preparação de arroz. “Lembrando sempre que o consumo exagerado pode levar ao ganho de peso, já que esta semente é rica em gordura”, afirma Camila.
Duas unidades da oleaginosa respondem por 64 calorias, 9,6 gramas de gorduras, sendo 68% de gorduras boas para a saúde, além de 1,55 gramas de carboidrato e 1,4 gramas de proteínas. O ideal é consumir de duas a três unidades por dia.
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A cultura castanheira: passado e presente
A castanha-da-amazônia, a castanha-do-brasil ou castanha-do-pará são sementes da castanheira, árvore nativa da região Norte. Ela foi identificada como produto extrativo na época da colonização, contudo, mesmo antes desse período os indígenas manejavam as castanheiras, sendo que mais tarde os negros que formaram os quilombos na região da Floresta Amazônica apreenderam e desenvolveram técnicas, que viraram tradição nas comunidades Quilombolas.
Várias aldeias indígenas mais antigas na região da Calha Norte (PA) têm grande concentração de castanheiras nas proximidades, por isso alguns pesquisadores afirmam que boa parte das castanheiras que existem atualmente foi plantada por indígenas que tinham na semente uma fonte importante de proteína.
Os nortistas consomem in natura e também tiram o leite, como o leite de coco, que pode ser utilizado na cozinha em diversas preparações de doces e salgados. O processo é simples: quebra-se a semente, moem e prensam para a saída do ‘leite’. O leite da castanha é utilizado inclusive para acompanhar carnes.
Gerente de projetos no Imaflora, Roberto Palmieri explica que a castanha é fonte de proteína para a população da floresta, além disso, é um produto extrativo da sociobiodiversidade brasileira, e pode ser coletado sem causar impacto negativo à biodiversidade da região. A castanha-do-brasil vem na sua totalidade da floresta, que precisa estar protegida, sendo que há poucas inciativas de plantio. “A castanheira isolada no meio do pasto não produz como podemos observar em toda a Amazônia, ela não consegue gerar frutos e nem se reproduz. A produção vem das que estão na floresta e precisam ser manejadas por populações locais que sabem onde, quando e como colher”, diz Palmieri.
Grande parte dos povos tradicionais ainda trabalha a castanha em grande quantidade, vendendo-a para os regatões (barcos de atravessadores) que passam pela região comprando produtos extrativos a baixo preço, como borracha, óleo de copaíba e castanhas.
“Uma das frentes do nosso trabalho no projeto Floresta de Valor é buscar uma comercialização diferenciada, que seja mais justa para a comunidade, e contribua para proteção da Floresta Amazônica e do patrimônio cultural que ela guarda”, diz ele. (AM)
Sobre o IMAFLORA
O IMAFLORA (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) é uma organização Não Governamental brasileira, sem fins lucrativos, que trabalha desde 1995 para promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, gerar benefícios sociais nos setores florestal e agropecuário e reduzir os efeitos das mudanças climáticas. Saiba mais em www.imaflora.org