Parlamentares de diversos partidos exigem punição ao presidente da Câmara, réu em ação por corrupção e alvo de dois outros inquéritos no STF
A hora do acerto de contas com a Justiça pode estar chegando para Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado evangélico que ficou milionário a ponto de possuir uma frota de carros de luxo em nome da empresa Jesus.Com.
Apesar de ser réu em processo criminal e investigado em outros dois inquéritos do “Petrolão” (desvio de dinheiro da Petrobras), Cunha preside a Câmara desde fevereiro de 2015. Agora, até nesse reduto os dias dele podem estar contados. Odiado por petistas por ter comandado de forma vitoriosa a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o parlamentar carioca é chamado de “meu bandido favorito” pelo vilão de outro escândalo político, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), pivô do mensalão.
Parlamentares de vários partidos exigem punição a Cunha, até como forma de equilibrar a balança da Justiça, que tem pesado a mão contra os maiores adversários do deputado: os integrantes do Executivo federal. Muita gente não entende por que o processo contra Dilma foi célere no Legislativo, enquanto contra Cunha as investigações avançam de forma mais lenta.
Zero Hora ouviu procuradores da República e policiais a respeito. Uma explicação é que Dilma foi julgada na Câmara num contexto político no qual estava em minoria. Cunha, ao contrário, conta com apoio substancial na maior bancada do Congresso (a do seu partido, o PMDB) e, além disso, possui um grupo fiel de parlamentares que votam com ele e a favor dele.
Como conseguiu isso? Delatores afirmaram à Procuradoria-Geral de República (PGR) que parte do dinheiro que Cunha teria arrecadado em propinas é repartido com aliados no Parlamento. Em alguns casos, deputados com problemas financeiros, que precisam saldar débitos de campanha, são ajudados por ele.
Isso explicaria porque o julgamento dele pelos colegas demora muito mais do que o de Dilma.
Mas e na Justiça, por que a demora? Aí a questão não teria a ver com Cunha, mas com o ritmo cauteloso que o Supremo Tribunal Federal (STF) costuma imprimir a todos os julgamentos. O presidente da Câmara é apenas um dentre 57 parlamentares que são réus na Corte, além de outros cem investigados. Dar sentenças a todos exige tempo e debates que levam, por vezes, anos. Demoram tanto que o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), por exemplo, livrou-se de oito processos criminais nos quais era réu por decurso de prazo (prescreveram), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), investigado em cinco inquéritos, só agora foi denunciado num caso de 2007 pelo pagamento de despesas de um filho por parte de uma empreiteira.
Mesmo que a demora seja a regra no STF, o caso de Cunha pode ser acelerado. É nisso que apostam os envolvidos na acusação contra o deputado.
– Nossa parte foi feita e a população cobra ação da Justiça. A Lava-Jato tem sido célere. É possível que acelerem os prazos de julgamento do Cunha no STF, é preciso dar uma resposta à sociedade – define um procurador da República.
A PGR pediu em dezembro afastamento de Cunha da presidência da Câmara e do cargo. Quer uma cautelar penal, remoção de função específica para servidores públicos. O assunto deve ser examinado pelo pleno do STF.
Por que cunha está na mira da Justiça
Milhões de dólares em contas suíças
Cunha teria recebido US$ 5,2 milhões (cerca de R$ 18,7 milhões) em propina para viabilizar a contratação de navios-sonda pela Petrobras.
A Suíça abriu investigações criminais contra os lobistas Fernando “Baiano” Soares e João Augusto Henriques, apontados como operadores do PMDB no esquema na estatal, que viraram colaboradores da Lava-Jato e envolveram Cunha.
Henriques, preso em 21 de setembro de 2015, disse que fez depósito em uma conta na Suíça para o deputado. Ao rastrear o dinheiro, o Ministério Público suíço concluiu que, de fato, Cunha era o beneficiário.
A conta teria sido alimentada por comissões para obras da Petrobras no Benin (África), além de propina para viabilizar a construção de dois navios-sonda para a estatal (Petrobras 10000 e Vitória 10000).
O pagamento foi confirmado por outro delator, Julio Camargo. Conforme ele, Cunha ameaçava investigar, em nome da Câmara, contratos entre a fabricante das sondas e a petroleira caso não recebesse suborno.
O deputado nega que seja propina e diz que as contas suíças são dividendos de negócios que fez na África. Por ter negado na CPI ser dono das contas, responde a processo na Comissão de Ética da Câmara.
Carros de luxo para Jesus.Com
Evangélico assumido, Cunha registrou um Porsche Cayenne 2013, um Ford Fusion 2013 e um Ford Edge V6 2013 em nome da Jesus.Com, empresa que mantém com a mulher, a jornalista Cláudia Cruz. O casal possui ainda um Corolla, outro Porsche Cayenne (2010), uma caminhonete Tucson, uma caminhonete Pajero Sport, um Freelander e uma BMW.
Cláudia também teria aberto contas suíças a pedido do marido. Isso foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e aceito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme despacho do ministro Teori Zavascki, ao transformar Cunha em réu:
“Interessante notar que Cláudia Cruz, na conta aberta na Suíça, se intitula ‘dona de casa’. Em relação à titularidade das contas objeto da transferência de processo por parte da Suíça não há a menor dúvida de sua vinculação com Eduardo Cunha e Cláudia Cruz. Os elementos neste sentido são abundantes e evidentes. Há cópias de passaportes – inclusive diplomáticos – do casal, endereço residencial, números de telefones do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto”.
Propina em 36 vezes
Um executivo da Carioca Engenharia, Ricardo Pernambuco Júnior, preso na Lava-Jato, apresentou planilha que detalha como teria ocorrido o pagamento de R$ 52 milhões em propina a Cunha. O parlamentar teria solicitado e recebido suborno para ajudar o consórcio formado por Odebrecht, OAS e Carioca a ganhar os contratos de revitalização da área portuária do Rio de Janeiro, chamada Porto Maravilha. Cunha teria usado da influência junto a um afilhado, na Caixa Econômica Federal, para conseguir dinheiro do FGTS para a obra.
Na planilha apresentada pela Carioca são detalhadas 22 transações que somam quase US$ 4,7 milhões (cerca de R$ 16,9 milhões) para contas no Exterior. O total de R$ 52 milhões (divididos entre as três empreiteiras) teria sido pago em 36 parcelas. Os depósitos, com contas enumeradas, teriam sido feitos entre agosto de 2011 e setembro de 2014.
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Foto: ANDRESSA ANHOLETE / AFP