De Jesus a político chileno, Santoro se destaca como “estrangeiro coringa”

Quando o russo Timur Bekambetov resolveu escalar seu Jesus Cristo na revisão do clássico “Ben-Hur” (1959), o diretor de “O Procurado” não pensou duas vezes em convidar Rodrigo Santoro para o papel. O filme, que chega aos cinemas em agosto do ano que vem, não é uma produção latina, centrada em temas latino-americanos. Santoro, tampouco, está encarnando um personagem que preferencialmente teria de ser encarnado por um ator sul-americano.

 

Aos 40 anos, o ator se prepara para estrelar uma das series mais aguardadas da televisão em 2016, “Westworld”, da HBO, baseada no livro de Michael Crichton (1942-2008) e no filme de mesmo nome, lançado em 1973, e co-estrelada por Anthony Hopkins. Seu personagem é um gângster perigosíssimo, meio humano, meio máquina, o temido Harlan Bell. E Santoro está igualmente à vontade em “Os 33”, na pele de Laurence Golborne, um político chileno, filho de um imigrante britânico, com lugar de destaque no gabinete conservador do então presidente Sebastián Piñera.

 

Das filmagens de “Os 33”, Santoro lembra dos jantares em conjunto e de como o fato de os sets serem todos isolados possibilitaram uma experiência inédita em sua carreira, a de passar noites a fio conversando sobre arte com Gabriel Byrne, apreciar a culinária de Lou Diamond Phillips, que vive o mineiro responsável pela segurança do grupo, e conversar em espanhol e inglês com os colegas.

 

Marcelo Hernandez/Atonchile/AFP Photo

Rodrigo Santoro e Antonio Banderas posam com os mineiros chilenos que inspiraram o filme “Os 33”, durante pré-estreia em Santiago do Chile, em agosto

 

Veterano

Em meio a um elenco tão internacional, Santoro era considerado pela diretora mexicana Patricia Riggen como integrante da lista de “latinos veteranos”, que começaram em Hollywood em um momento menos aberto para representantes autênticos de uma das fatias mais importantes do bolo do mercado internacional e fundamental para a solvência da indústria do cinema americano. Daí a naturalidade com que se convoca o brasileiro para papéis como os de Golborne ou Jesus Cristo.

 

“‘Ben-Hur’ foi inesquecível, um desafio gigantesco, ainda não sei exatamente o que aconteceu lá. Foi uma escolha muito pessoal, eu fui convidado para o papel, e me joguei de corpo e alma. Não é mais um filme para mim. Sem entrar em religião ou fé, tive uma sensação muito clara de que o personagem chegou em uma hora importante para mim e minha trajetória”, diz o ator.

 

E ele veio imediatamente após “Os 33”, cujo roteiro foi elaborado ao mesmo tempo em que o premiado jornalista Hector Tobar, do “Los Angeles Times”, escrevia seu “Na Escuridão”, lançado no Brasil pela editora Objetiva. Estes foram os dois projetos eleitos pelos 33 mineiros, em conjunto, para contar pela primeira vez os dramas mais íntimos dos 69 dias em que passaram debaixo da terra, depois do desabamento que os isolou na mina de San José, em Copiapó, no norte do Chile, sem saber se uma equipe de salvamento os tentaria retirar com vida do local enquanto a comida ia se acabando.

 

O ministro das Minas e Energia do Chile, Laurence Golborne, tal qual vivido por Santoro, é um dos agentes transformadores da trama. De uma atitude passiva em relação à possibilidade real de resgate dos trabalhadores, o político é contaminado pela determinação das famílias dos mineiros, especialmente da personagem vivida por Juliette Binoche, cujo irmão é um dos 33, de assegurar a sobrevivência de seus amados.

 

“A produção foi extremamente cuidadosa, me enviou para Santiago, fui a uma cerimônia oficial no Palácio de la Moneda, conheci todos os mineiros e conversei por duas horas com Golborne. Não estava ali para copiar o gestual dele, para me aproximar da figura dele por ser eu, também, um sul-americano. Nada disso. O objetivo era entender de fato sua função política, administrativa e emocional no filme que a Patricia queria contar”, explica.

Política e tapa

Em uma das cenas mais intensas de “Os 33”, a Maria de Juliette Binoche dá um sonoro tapa na cara do ministro vivido por Santoro. O ataque físico é, diz o ator, um símbolo sonoro da mudança por que passa seu personagem, despertada pelo contato do político com o povo, “gente de carne e osso”, nas palavras do ator brasileiro.

 

“Para mim, foi muito simbólico encarnar um político latino-americano que vai de fato se sensibilizando com o que acontece com a população, com a dor do povo, neste momento em que vivemos. Isso passou pela minha cabeça o tempo todo durante a filmagem. E tentei ilustrar esta transformação que se dá pelo contato direto dele com o povo, inclusive através de uma agressão física, de uma forma orgânica, fugindo ao máximo do piegas ou do panfletário. Ele começa de terno, no gabinete, e termina vestido como os mineiros. Não é mero acaso. O filme tem este subtexto: ele revela o processo em que um político latino-americano se iguala ao povo. Foi bonito de fazer”, conta.

O momento do tapa, acredita Santoro, marca o início de uma humanização à força, mas nem por isso menos real, vivida pelo personagem. E a concretização da cena, ele conta, teve caminhos igualmente tortuosos.

“Fizemos alguns tapas técnicos e eu achava que faltava algo. Patricia foi mudar a câmera e sugeri à Juliette que fizéssemos para valer. Ela achou graça, disse que de jeito nenhum, não queria me machucar. Eu inssiti, não era coisa de ator maluco, é que aquele momento pedia o tapa de verdade. Ela fez uma vez, meu rosto ficou vermelho, Patricia decidiu dar um close e no fim nos prometeu que aquela cena não seria modificada na edição. E, rapaz, foi um tapa da Juliette, né? Vou contar esta história um dia para os meus netos!”

 

Eduardo Graça
Colaboração para o UOL, em Los Angeles (EUA) e Santiago (Chile)


© 2024 - Rio Claro Online
Todos os Direitos Reservados
Agência Interativa Nautilus Publicidade