Provavelmente não será desta vez. Mesmo que a solução para a crise política seja a mais drástica, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a ascensão de um governo comandado pelo vice, Michel Temer, é pouco provável que a polarização partidária do país dê lugar a um efetivo pluripartidarismo de coalizão. PT e PSDB, em outras palavras, devem continuar dando as cartas na política brasileira.
Pelo menos essa é a opinião de cientistas políticos ouvidos pela reportagem do UOL. Convictos de que nenhum partido conseguirá, em curto prazo, catalisar eleitores em número suficiente para desafiar essa polarização, os especialistas apostam na capacidade das legendas de construir novas lideranças como alternativa de poder no Brasil. Tarefa que está longe de ser fácil.
O cientista político Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas, acredita que uma terceira via tem pouca chance de prosperar após o processo eleitoral de 2014. “A terceira via que parecia se formar na última eleição, com Eduardo Campos (morto em agosto do ano passado) e depois Marina Silva, acabou definhando ao longo do processo eleitoral. Eu vejo pouca probabilidade dessa terceira via voltar. O grande beneficiário da crise deverá ser o PMDB, avalista natural de qualquer governo que suceda o atual”, explica.
Rodrigo Stumpf Gonzales, do programa de pós-graduação em Ciência Política da UFRGS, concorda: “uma nova liderança não surge do nada e nem de repente, a não ser em casos muito excepcionais. É preciso estar ancorada em alguma base concreta, como um governo estadual, um mandato no Congresso ou mesmo uma atividade institucional de grande relevância. Sinceramente, não vejo quem pudesse preencher esses requisitos hoje na política brasileira”.
Segundo a análise, a tendência de curto prazo é de repetição dos nomes de eleições passadas num cenário de disputa eleitoral em 2018. Para Gonzales, a possibilidade de uma terceira via de poder –que poderia ser oriunda especialmente do PMDB– estaria condicionada à exploração bem-sucedida do descontentamento popular com a política.
“O PMDB tem uma capacidade enorme de capilarização no cenário nacional, mas está de tal forma fragmentado que dificilmente se alinhará a alguma proposta, mas a resultados. Os partidos médios é que poderão fazer diferença”, opina.
Segundo Gonzales, o vice-presidente Michel Temer não tem capacidade de aglutinação interna. “Se for alçado ao poder, certamente haverá um PMDB de oposição ao governo do PMDB. Seus representantes não agem em solidariedade a um membro do partido, mas por barganha. Um governo do PMDB não terá base partidária fechada”, prevê.
O professor aposentado da UFRGS Benedito Tadeu César concorda que nem uma nova eleição presidencial em 2016, na hipótese de cassação do mandato da chapa Dilma-Temer pelo TSE, traria alguma mudança no cenário político. “Quem serão os candidatos? Os mesmos de 2014? E quem for eleito vai governar com esse Congresso que está aí? A situação só tende a se agravar”, prevê.
Faltam líderes
Para Couto, o fator liderança acabou sendo indevidamente negligenciado na política brasileira. “Antes da Dilma, tivemos lideranças que sabiam se relacionar com o Congresso, eram bem assessorados. Isso fazia com que o presidencialismo de coalizão funcionasse sem grandes solavancos. Mas com uma liderança ruim como agora, sem capacidade de negociação, a coisa não anda”, diz. A perspectiva é de manutenção do quadro – até porque não há vácuo em política.
“Esse é um antigo ditado das ciências sociais que se aplica bem ao caso brasileiro. Ou seja, sempre surge alguém. O problema é quem”, teoriza César. Pessimista, ele não crê que a crise política tenha desfecho em curto ou médio prazo.
“Não há liderança política no país, os partidos estão em frangalhos e nem mesmo a hipótese de um nome desvinculado de siglas se sustenta. Eu diria que a perspectiva é não ter perspectiva”, analisa.
Joaquim Barbosa e Sérgio Moro não são políticos
César cita os casos do ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, e do juiz Sérgio Moro como exemplos de apostas inconsistentes e infrutíferas. “Sem juízo de valor, não são e nunca serão políticos”, opina. Segundo ele, foi um erro desacreditar as instituições políticas do país, incluindo os partidos. “O que substitui a política é a força, a violência”, adverte.
PT e PSDB devem continuar mobilizando eleitores fiéis, apesar dos escândalos e das condenações envolvendo lideranças nacionais das duas legendas. O cientista político Alberto Carlos de Almeida, do Instituto Análise, diz que são as duas legendas mais claramente definidas no país, que polarizam a ação política menos por questões ideológicas do que por razões pragmáticas relacionadas ao exercício do poder.
“Os terrenos do PT e do PSDB já estão devidamente demarcados, e com muita clareza. Em termos de prioridade, imagem, ênfase, defesa de políticas públicas, os dois são claramente definidos. Isso significa que podem transigir em suas respectivas imagens sem prejuízo da imagem que têm com o eleitorado”, argumenta.
Para Almeida, o sistema presidencialista também fortalece a polarização a partir de lideranças perenes. “É bem diferente do parlamentarismo, porque o presidente é muito protegido, o mandato é fixo e não há perda de confiança política. O eleitor vota em dois poderes distintos, Executivo e Legislativo”, pondera.
Flávio Ilha
Colaboração para o UOL, em Porto Alegre