Faz parte do senso comum a ideia de que hábitos negativos dos pais –como fumar, alimentar-se mal ou falar palavrões– são aprendidos pelos filhos, mas o que poucas pessoas imaginam é que as dificuldades emocionais paternas e maternas –traduzidas em atitudes como explodir de raiva sempre que algo dá errado, não ter paciência para esperar que uma tarefa seja realizada, reagir mal a críticas e não assumir erros– também podem ser comportamentos assimilados pelas crianças.
Segundo Braz Werneck Filho, terapeuta cognitivo-comportamental e familiar do Rio de Janeiro, a atitude negativa mostra a manifestação final de um processo de aprendizado. “A criança assimila a situação vivenciada, isso passa por um processo cognitivo e vai gerar um comportamento, que pode ou não ser reforçado pelos adultos”, declara o especialista.
De acordo com o psicólogo, o exemplo dos adultos responsáveis é fundamental, uma vez que eles são as principais referências de conduta para a criança. “Os pais são as figuras mais importantes no processo de aprendizado, mas a escola, os amigos, a babá e os avós também contribuem”, diz.
Para a pediatra e psicanalista Marisol Montero Sendin, responsável pela brinquedoteca do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), a influência paterna e materna no comportamento do filho pode se dar de diversas maneiras, como quando respondem às necessidades emocionais da criança valorizando, desvalorizando ou supervalorizando suas emoções e sentimentos.
A forma como interagem com a criança também importa. “Se o padrão de cuidado parental é abertamente ansioso, hostil, agressivo, inconstante, imprevisível ou inseguro poderá gerar dificuldades no desenvolvimento infantil”, afirma.
Segundo a especialista, por padrão de cuidado entende-se um tipo de comportamento persistente. “Quando, no entanto, essas atitudes são abruptas e inesperadas, há a possibilidade de surgirem traumas, igualmente nocivos para o desenvolvimento da criança, especialmente se ocorrem de modo repetitivo”, diz.
Desse modo, ao perceberem que os filhos estão agindo de maneira estranha, seja em casa ou na escola, é importante que os pais avaliem como anda sua relação com eles. “Muitas vezes, os adultos não conseguem perceber a influência que têm sobre os filhos. A mudança de comportamento infantil também pode ser uma tentativa de chamar atenção”, afirma Werneck Filho.
Faça o que eu digo, mas…
Olhar para si mesmo e para as próprias atitudes pode ser uma maneira saudável de compreender o comportamento do filho. “Uma postura reflexiva é sempre desejável. No processo terapêutico, perguntamos ao paciente qual é sua contribuição para o problema que está vivenciando, mas nem todos têm o hábito do autoquestionamento”, diz o psicólogo Werneck Filho.
Não adianta, portanto, a velha ladainha do “faça o que eu digo, mas não faça o que faço”. Entre três e oito anos, a criança não tem condições de compreender as nuances da vida adulta. Por isso, precisa de regras claras e de exemplos condizentes. “Ela não tem essa flexibilidade, que nos permite, por exemplo, burlar certas regras. Certamente, irá questionar a razão de você poder fazer algo e ela não”, declara o especialista.
Na opinião de Marisol, assumir o papel de pai implica, muitas vezes, a necessidade de rever valores e dificuldades pessoais. “Muitas pessoas têm filhos sem estarem emocionalmente maduras, o que, devido às demandas da paternidade e da maternidade, agrava a situação.”
A psicanalista lembra que é comum que a origem de questões comportamentais remonte à criação que os pais receberam de seus próprios pais. “Os avós apresentaram-se como modelos, que foram aprendidos e incorporados à personalidade dos pais. Esses, por sua vez, tornam-se modelos para os filhos.”
Marcas para a vida
Mas até que ponto esses comportamentos copiados dos pais na infância podem ser incorporados à personalidade do filho na vida adulta? O terapeuta Braz Werneck Filho explica que a personalidade (termo que se aplica somente após a maioridade) é a junção do temperamento (característica inata) com o caráter (formado pelas influências do ambiente).
Por isso, vemos pessoas que passaram pela mesma criação sendo tão diferentes. “Tudo vai depender da forma como cada um reage e lida com as situações da vida. Os pais têm o papel de contribuir com valores, exemplos e corrigir eventuais transtornos de conduta”, fala.