A Rio Claro Online reproduz um artigo maravilhoso do professor Kal Machado sobre um grande e muito amado rioclarense: o professor João Galassi. Ninguém melhor que Kal Machado com sua inteligência, mas sobretudo, com sua sensibilidade, para deixar registrado essa linda homenagem a esse grande mestre rioclarense, tão importante para a Vida, a Cultura e a História de Rio Claro, um mestre que ficará eternamente em nossos corações.
REQUIEM PARA UMA LENDA
KAL MACHADO
Conheci o prof. João Galassi nos primórdios dos anos 70, quando eu ainda era estudante de Engenharia Civil. Foi quando, juntamente com o colega Luis Carlos Brumatti (prof. Budh) fundamos o cursinho Novo Triunfo, que, posteriormente, viria a se tornar o Centro de Ensino Novo Triunfo-Anglo, uma das instituições de ensino mais respeitada e premiada do interior paulista, tendo na co-direção os professores Asdrubal Bellan e profa. Rosangela Iamondi Machado Furlani, além, é claro, de um corpo docente e funcional de fazer inveja.
O prof. Galassi foi o primeiro a subir no tablado do Novo Triunfo, para dar aulas de português e inglês, mas, se fosse preciso ele também lecionaria alemão, francês, espanhol, entre outras línguas, pois era poliglota.
Viemos a nos tornar grandes amigos. Lembro-me que no início de nossas carreiras, depois das aulas noturnas íamos comer capellete com bracciolas, numa cantina italiana que ficava na rua 2, entre avenidas 1 e 2 ou lanchar no Bar da Hilda, quando ainda estava localizado na Av. 1, em Rio Claro. Eram momentos em que singrávamos pelos nossos sonhos.
Às vezes, ele me dava carona em sua camionete creme, um verdadeiro calhambeque, que não abria os vidros nem a porta, pois não tinha maçanetas, tínhamos que fazer malabarismos, para entrar e sair. Certo dia, quando ele já namorava a Nice, lá pelas bandas da av 32, ele estacionou e esqueceu-se de deixar a marcha engatada, uma necessidade imperiosa já que a o freio de mão da camionete também não funcionava.
Enquanto ele declamava alguns versos para sua amada, a camionete foi descendo a ladeira até colidir e deixar inclinada uma Roda Gigante, de um parque de diversões mambembe, que se instalara nas imediações do Lago Azul. Não houve vítimas, mas o gerente chamou a polícia e queria uma indenização pelos danos materiais, só que valor da camionete, mal dava para comprar alguns ingressos do parque.
Riamos muito quando relembrávamos deste e de outros acontecimentos de uma época, em que o que mais imperava era o idealismo. Estive em seu casamento, acompanhei o nascimento de seus filhos João Marcelo, Neli e Milena e acabei me tornando professor deles. João e Cleonice Galassi formaram uma família exemplar, digna e laborativa.
João Galassi era filho de mãe francesa e na época da faculdade, voltou à França para se graduar em literatura comparada, língua e literatura francesa. Trouxe de lá nove certificados de nível superior. Infelizmente, seu diploma francês não teve validade aqui, porque não havia convênio Brasil-França. Chegou até a pensar em pôr fogo em todos os certificados franceses, mas, a Nice, sua amada esposa, não deixou. Acabou fazendo letras na Unicamp e frequentemente acabava tendo atrito com vários docentes da universidade, pois, em muitos casos, seus conhecimentos eram superiores ao dos seus professores.
Fomos colegas de corpo docente por décadas e ele sempre foi o professor mais popular do Anglo-Novo Triunfo e certamente, de outras escolas em que lecionou. Quando exerci o cargo de Prefeito Municipal de Rio Claro ele foi meu assessor na área de comunicações, revisando e ajudando-me na formulação de correspondências e discursos.
Sua cultura possibilitava que ele pudesse viver sob holofotes e ocupando manchetes, porém, inspirado em seu pai, optou por uma vida de simplicidade. Recentemente, já no outono da nossa existência, costumávamos nos encontrar quando caminhávamos errantes pelo Jardim Público ou pelas ruas da Cidade Azul e ele sempre com seu inseparável cachorrinho preto, esbanjava simpatia.
Sua amizade e competência deixam um vazio insuperável, mas, com certeza, continuarão a inspirar os que aqui permanecem. A luz da sabedoria e do conhecimento que ele sempre irradiou será, certamente, proporcional à saudade que ele deixou no coração de muitos. Que a Cleonice, seus filhos, netos, nora e genro consigam mitigar a dor da separação no conforto divino.
Tenho certeza que, quando o barqueiro deixá-lo na outra margem do Jordão, o Senhor estará esperando-o de braços abertos, para agradecer-lhe por ter cumprido com tanto júbilo e eficiência a missão que lhe foi confiada.
João Galassi deixou de ser homem, para se tornar uma lenda.
machadokal@hotmail.com