Seis meses depois dos primeiros casos surgirem, o monitoramento da geração de crianças com microcefalia nascidas em Pernambuco após o surto de zika já demonstra que a má-formação vem acompanhada de outros problemas, como doenças congênitas, irritabilidade e epilepsia.
Segundo a neuropediatra Vanessa Van Der Linden, a primeira a notificar a relação entre o aumento nos casos de microcefalia e o vírus no Estado, os bebês têm apresentado características diferentes de outras microcefalias por causa infeciosa.
Ela, que é responsável pelo acompanhando de crianças na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) e no hospital Barão de Lucena, no Recife, conta que desenvolveu uma espécie de “feeling” depois de atender tantos casos e já sabe dizer quando um exame indica má-formação provocada pelo vírus.
Todos os pacientes, explica ela, apresentam calcificações diferentes de outras microcefalias e lesões no córtex com padrão semelhante, na parte superficial, que surgem até o quarto mês de gestação, quando a região do cérebro do bebê é completamente formada.
A médica destaca que os bebês têm uma característica que não costuma ser comum em outros casos de microcefalia: a irritabilidade.
“Alguns choram quase 24 horas por dia. Eles têm os reflexos bem aguçados; qualquer barulho, levam um susto”
O choro, explica ela, não seria por dor, mas por um possível desenvolvimento precoce dos reflexos, que os leva a uma superexcitação. Também se investiga se o refluxo gástrico pode estar por trás da irritação –por ser algo novo, ainda não há nenhuma certeza científica.
Outro problema que os médicos estão notando é o desenvolvimento da epilepsia, a partir dos dois meses de vida.
Mas o que mais tem chamado a atenção da neuropediatria são os casos de artrogripose, uma doença congênita que causa deformidade e rigidez nas articulações.
“Não é um problema nos membros, mas decorre de problemas neurológicos que os fizeram ter poucos movimentos na barriga da mãe. É como colocar seu braço no gesso por um ano; quando você tira o gesso, o braço está duro”, explica.
Segundo ela, crianças com outros tipos de microcefalia não apresentam esta condição.
“É algo bem diferente de microcefalias infecciosas, que são mais semelhantes. Talvez a zika tenha uma predileção maior pelos neurônios”
Até o momento, sete bebês entre os mais de 80 que a médica acompanha já tiveram o problema confirmado por exames. Outros ainda passam por análises, e o número deve crescer.
A fisioterapeuta Carolina Albuquerque, que trabalha na estimulação precoce desses bebês na AACD, também notou que crianças com microcefalia têm apresentado irritabilidade e problemas mais graves.
“Têm crianças que vêm com o quadril dobrado, que não poderá sequer ficar em pé. Em alguns casos pode precisar até de cirurgia, mas essa leva ainda é de bebês pequenos. Pensar nisso é coisa para futuro”, diz.
O filho de Isadora Correia Lima, 24, é um dos bebês que passa por fisioterapia para estimular a atividade motora. Ela já sabe que os minutos de sessão serão de angústia.
“Na fisioterapia, ele não para de chorar. O estímulo visual, por exemplo, nunca conseguimos fazer, porque ele chora com raiva.”
Fonte: Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL, no Recife