O ‘cunhismo’ ainda impera na Câmara, diz deputado Chico Alencar

O deputado Chico Alencar acredita que o fisiologismo e o conservadorismo dominam a Câmara

 

O deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não frequenta mais a Câmara há quase oito meses, mas suas práticas ainda estão presentes no dia a dia dos parlamentares, avalia seu ex-colega, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). “O ‘cunhismo’ ainda impera na Câmara”, disse ao UOL, no Salão Verde da Câmara, antes do resultado da eleição à presidência da Casa, na última quinta-feira (2).

 

Com a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que seguirá no comando da Câmara por dois anos, Alencar conversou novamente com o UOL para projetar o que deve acontecer no Congresso nesse período e não espera grandes mudanças. “É a velha política, talvez com cara nova”.

 

O parlamentar do PSOL reconhece que a esquerda está enfraquecida, mas espera um baque nos outros setores da política em função da Operação Lava Jato, que deve atingir dezenas de políticos por envolvimento com corrupção. “A gente ainda está vivendo os estertores dessa velha política, que a Lava Jato está desnudando agora de maneira muito contundente”.

 

Caracterizando o presidente Michel Temer (PMDB) como um “guloso” para captar alianças. “Temer é habilidoso para compor com os fisiológicos com a experiência de décadas que o comando do PMDB lhe deu”.

 

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida na última sexta-feira (3).

 

O senhor disse que o “cunhismo ainda impera no Câmara”. O que é o “cunhismo”?

 

“Cunhismo” é a prática dos acertos de bastidores que se consolida através da promessa, depois efetivação, de cargos na estrutura do próprio parlamento. Na colocação desse bloco, dos membros desse grande campo na relatoria dos principais projetos com a moldura de uma concepção conservadora da política, com uma visão de precarização de direitos na formulação de políticas públicas e sem nenhuma preocupação com a própria crise da representação. É, na verdade, fisiologismo, mais conservadorismo e um outro elemento também: a aceitação passiva, inquestionável da hegemonia dos grandes interesses econômicos sobre mandatos políticos. O Cunha, na verdade, era um operador exacerbado desse tipo de política, desse tipo de concepção com suas características particulares. Ele era muito arestoso, muito agudo, não fazia quase mediações, muito agressivo. Agora lembre: o Rodrigo Maia sempre foi aliadíssimo do Cunha.

 

Ricardo Botelho/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo

26.abr.2016 – Alencar foi um dos maiores críticos de Cunha na Câmara dos Deputados

  
Para o senhor, Maia é igual a Cunha?

 

Não, é claro que não. Ele dialoga mais, ele é menos arestoso. A partir da experiência do profundo desgaste do Cunha, a quem apoiou até a última hora, fez questão inclusive de se dissociar do DEM, quando o DEM, no finalzinho, através do líder Pauderney [Avelino], se manifestou pela saída do Cunha, o Rodrigo Maia ficou fora disso. Quando o “cunhismo original” se manifestou, através de uma carta de apoio ao Cunha que o André Moura (PSC-SE) leu na tribuna da Câmara, o Maia fez questão de levantar no plenário e dizer assim: me acrescenta aí. É claro que eles vivem situações diferentes. O Cunha está na cadeia. Os métodos mais grosseiros de fazer política dele [do Cunha] ficaram muito desgastados. Então, existem diferenças. Ele [Maia] não tem a política da vindita [vingança]. O Cunha tinha. O Cunha imprimiu a esse tipo de política, que eu chamo de fisiológica, conservadora e elitista, a sua marca pessoal. O Cunha deu cunho pessoal ao “cunhismo”. Mas você vê: na própria campanha para a Mesa Diretora o que prevaleceu foi a sedução, mocinhas pagas para distribuir panfletinhos, a velha política, a desgastada política.

 

O “cunhismo”, então, não se identifica pela liderança do Maia, mas pelo conjunto de deputados da Câmara?

 

O estilo de liderar do Maia é bem diferente do Cunha, embora, veja bem: tanto o Maia quanto o Jovair [Arantes (PTB-GO)] foram declaradamente apoiadores do Cunha até ele renunciar à presidência da Câmara. Isso não é à toa, tem uma identificação com a maneira de conceber o sistema político. É a velha política, talvez com cara nova.

 

Após ser reeleito, Maia prometeu um maior diálogo com a oposição sobre as reformas que serão debatidas pela Câmara. O senhor acredita nesse diálogo?

 

Eu não acredito, não. A tendência das maiorias é passar o rodo, é atropelar. Tem esse desejo assim inato de celeridade [rapidez]. Agora, vamos cobrar isso. A começar pela comissão da reforma da Previdência, pelo conhecimento antecipado da pauta. Tudo pactuado no colégio de líderes com toda a clareza, né? Sem nenhum atropelo, né? Mas a história mostra que maioria fica com uma gana de atropelar e acelerar danada. E o que eu não acredito é qualquer independência da Câmara ou dessa maioria em relação ao Executivo. A vitória foi das pautas e dos desejos do Executivo também.

 

Ed Ferreira/Folhapress

Presidente reeleito da Câmara, Maia (esq.) apoiou Cunha, seu antecessor no cargo

  
O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) viu uma derrota do governo, cujo candidato à presidência da Câmara, Maia, não conseguiu ultrapassar a barreira de 300 votos. Para aprovar emendas constitucionais –essenciais para as reformas que o Planalto quer–, são necessários 308. Como o senhor avalia o resultado do pleito? Foi uma derrota mesmo do governo?

 

Não. Eu entendo que foi uma vitória do governismo, que inclusive estava representado também na candidatura do Jovair. A diferença entre os votos que o Maia teve e o Jovair teve, do ponto de vista da qualidade política, foi muito pequena. Talvez o grupo do Jovair seja mais fisiológico, com uma pauta que nós consideramos conservadora e regressista. O grupo do Maia é mais ideológico, digamos assim. Fica ali buscando cargos. Até cargo de quinto escalão é importante. Então você pode somar aí: 293 do Maia com mais os 105 do Jovair. Dá mais de 400 [parlamentares; a Câmara tem 513]. Então, isso é vitória, sim. Eu acho que a oposição, crítica à política implementada e ao modelo econômico e de políticas públicas do Michel Temer, tem pouco mais de 100 votos no parlamento.

 

Com os 105 votos obtidos por Jovair Arantes (PTB-GO), o “centrão” sai dessa eleição ainda com um peso na Câmara? O governo vai precisar dele, mas dizem que esse bloco está magoado com o Planalto.

 

Ele é importante para o governo, mas tudo já está sendo resolvido. Eu já tive a informação de que, ontem mesmo, o Michel Temer já acenou para o Jovair e seu grupo. Nada que carguinhos na estrutura do governo não resolvam. Temer é habilidoso para compor com os fisiológicos com a experiência de décadas que o comando do PMDB lhe deu. Ele é especialista em nutrir gulosos. Tem uns que pensam em fazer regime. Ele, engordar. Regime de engorda ele conhece.

 

André Dusek/Estadão Conteúdo

A vitória de Maia na Câmara foi muito comemorada por governistas na última quinta

  
No total, os candidatos mais ligados à esquerda tiveram 69 votos [59 para André Figueiredo (PDT-CE) e 10 para Luiza Erundina (PSOL-SP)]. A esquerda morreu na Câmara?

 

Não, ela está muito inferiorizada. Se a gente não reencontrar o caminho dos movimentos populares, dos movimentos sociais, da praça, a gente vai ficar cada vez mais apequenado. A gente está, numericamente, aquém da nossa expressão social. A gente é bem mais do que esses menos de 20% dentro da Câmara. Porque tem uma Lava Jato no meio do caminho que está pegando todas as expressões políticas, inclusive da direita, não só do PT. Então, a nova configuração política do Brasil, a autêntica, a legítima, precisa ser atualizada. E só eleições gerais, com regras as mais igualitárias possíveis e sem abuso do poder econômico, poderão delinear isso. A gente ainda está vivendo os estertores dessa velha política, que a Lava Jato está desnudando agora de maneira muito contundente.

 

A liminar que impedia a candidatura de Maia foi indeferida. Mas existe a possibilidade de que a legalidade da reeleição de Maia seja questionada, como argumentam parte dos deputados derrotados na eleição. O senhor acredita que Maia terminará seu mandato de dois anos?

 

Tudo vai depender do grau de crise política que atingir o próprio governo que ele representa. Na verdade, Maia, inegavelmente, era o candidato do governo e vai expressar a política do governo. Também aí a Lava Jato pode incidir muito. A nossa alta corte sempre fala da isenção, da não politização, mas ela está antenada com a realidade. A tendência do mérito desse questionamento, de uma candidatura que eu, no meu entendimento, à luz da lei, ela não se sustenta mesmo. Mas o mérito ainda vai ser julgado, é verdade. Agora, colocar na pauta [do Supremo], vai depender da conjuntura política, do desgaste do próprio Rodrigo e do governo. Isso está em aberto, o cenário ainda é muito incerto daqui para a frente.

 

O que o senhor espera para a Câmara em 2017?

 

Que ela esteja mais aberta às demandas populares, que ela tenha sensibilidade com aqueles que vão pagar pela crise, que são os trabalhadores, os mais pobres. Que ela enfrente os privilégios, inclusive dos altos salários dos Três Poderes públicos. Que ela avance numa reforma política para descolonizar de vez as instituições políticas, inclusive os partidos, do domínio dos grandes grupos econômicos. Agora, tudo é expectativa. Se ela ficar um pouquinho mais aberta ao clamor das ruas, inclusive sob o ponto de vista da ética na política, já será um passo. Nós estamos com uma credibilidade muito baixa, mas eu não vi essa preocupação por parte de quase nenhum candidato à presidência da Câmara.

 

Fonte: Uol


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