O discurso da ativista Angela Davis na ‘Marcha das Mulheres’ e a resistência feminina contra Donald Trump

Um dia após a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, milhares de mulheres de mais de 30 países foram às ruas neste sábado (21), contra ele e a favor de seus direitos.

 

Na capital americana, Washington, milhares foram às ruas. Do lado de fora das estações de metrô era possível ver longas filas para participar da Women’s March on Washington (Marcha das Mulheres em Washington). O ponto central do movimento é que os direitos das mulheres são direitos humanos.

 

 

womens march

 

 

Ativista feminista e defensora dos direitos civis da população negra nos Estados Unidos, Angela Davis, de 72 anos, fez um apelo apaixonado pela resistência e pediu ao público para se tornar mais militante em suas demandas de justiça social especialmente nos próximos quatro anos.

 

“Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao anti-semitismo, a misoginia e a exploração capitalista”, disse Angela durante o discurso.

 

Assista ao vídeo:

 

 

Davis – autora do livro Mulheres, Raça e Classe, editado no Brasil pela editora Boitempo – , é uma das principais vozes que analisam as condições da população negra por um viés interseccional, isto é, que se debruça sobre como o racismo, o capitalismo e o sexismo são condições estruturantes nas relações humanas, responsáveis por gerar formas combinadas de opressão em toda a sociedade.

 

No passado, a ativista fez parte do grupo Panteras Negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos. Foi perseguida e presa em 1970, tornando-se mundialmente conhecida por meio da campanha “Libertem Angela Davis”. Esta história é contada em detalhes no documentário de mesmo nome, disponível aqui.

 

Ainda em seu discurso, Angela Davis lembrou que a história dos Estados Unidos foi marcada pela luta em busca da liberdade da população negra e que medidas anunciadas por Donald Trump não poderão apagar a história:

 

“Este é um país ancorado na escravidão e no colonialismo, o que significa, para o bem ou para o mal, a real história de imigração e escravização. Espalhar a xenofobia, lançar acusações de assassinato e estupro e construir um muro não apagarão a história”.

 

 

angela davis

 

 

Leia o discurso completo de Angela Davis, em tradução livre:

 

Em um momento desafiador de nossa história, vamos nos lembrar que somos centenas de milhares, milhares de mulheres, pessoas transgênero, homens e jovens que estamos aqui na Marcha das Mulheres. Nós representamos a poderosa força de mudança que está destinada a impedir que a cultura racista e patriarcal floresça novamente.

 

Nós reconhecemos que somos coletivos de agentes históricos e que a história, em si, não pode ser deletada como páginas da internet. Sabemos que esta tarde estamos reunidos em terras indígenas e seguimos a liderança dos primeiros povos que viveram aqui e que, apesar da massiva violência genocida, nunca renunciaram a luta pela terra, pela água, pela cultura e pelo seu povo. Hoje saudamos especialmente o Standing Rock Sioux [reserva indígena localizada na Dakota do Sul e na Dakota do Norte, nos Estados Unidos].

 

A liberdade e a garra da população, que moldaram este país, não pode ser deletada como o virar de uma mão. Não podemos esquecer que vidas negras realmente importam. Este é um país que foi ancorado na escravidão e no colonialismo, o que significa, para melhor ou pior, que a própria história dos Estados Unidos é uma história de imigração e escravização. Espalhar a xenofobia, lançar acusações de assassinato e estupro e construir muros não apaga a história. Nenhum ser humano é ilegal.

 

A luta para salvar o planeta, para parar as mudanças climáticas, para garantir a acessibilidade da água das terras do Standing Rock Sioux, Flint, Michigan, para a Cisjordânia e Gaza. A luta para salvar a nossa flora e fauna, para salvar o ar – este é o ponto zero da luta pela justiça social.

 

Esta é uma Marcha das Mullheres e esta Marcha representa a promessa do feminismo contra os poderes perniciosos da violência do Estado. E o feminismo inclusivo e intersetorial que convoca todos nós a juntar-se à resistência ao racismo, à islamofobia, ao anti-semitismo, à misoginia, à exploração capitalista.

 

Sim, saudamos a “Fight for $15” [a primeira de muitas greves e atos de rua realizados em especial por trabalhadores de fast food que exigiam um salário mínimo de US$15 por hora e um Sindicato]. Nós nos dedicamos à resistência coletiva. Resistência aos bilionários aproveitadores de hipotecas e gentrificadores. Resistência aos corsários de saúde. Resistência aos ataques aos muçulmanos e aos imigrantes. Resistência aos ataques a pessoas com deficiência. Resistência à violência estatal perpetrada pela polícia e pelo complexo industrial prisional. Resistência à violência institucional e de gênero especialmente contra mulheres trans negras.

 

Os direitos das mulheres são direitos humanos em todo o planeta e é por isso que dizemos liberdade e justiça para a Palestina. Celebramos a iminente libertação do Chelsea Manning. E Oscar López Rivera. Mas também dizemos liberte Leonard Peltier. Liberte Mumia Abu-Jamal. Liberte Assata Shakur.

 

Ao longo dos próximos meses e anos, seremos chamados para intensificar as nossas exigências de justiça social e para nos tornarmos mais militantes em defesa das populações vulneráveis. Aqueles que ainda defendem a supremacia do patriarcado hetero-patriarcado masculino branco devem ter cuidado.

 

Os próximos 1.459 dias do governo Trump serão 1.459 dias de resistência: resistência no chão, resistência nas salas de aula, resistência no trabalho, resistência em nossa arte e em nossa música.

 

Este é apenas o começo e nas palavras da inimitável Ella Baker, “Nós que acreditamos na liberdade não podemos descansar até que ela venha”.

 

Obrigada.

Além de Angela, Gloria Steinem

gloria steinem

 

 

Durante a marcha, a ativista Gloria Steinem fez um discurso que, assim como o de Angela Davis, lembrou os participantes da marcha da importância de não ignorar a história dos Estados Unidos e em como ignorar este contexto histórico pode ser preocupante para o futuro dos direitos civis:

 

“Tudo o que aconteceu antes dele foi um desastre. E tudo o que ele faria seria fantástico, o melhor de sempre, milagres e todos os superlativos. Ele também disse que estava com o povo. Na verdade, ele era o povo. Parafraseando uma citação famosa, eu apenas tenho que dizer, “eu conheci as pessoas, e você não são eles.” Nós somos as pessoas.”

E Gloria também criticou o discurso de posse de Donald Trump, em que o presidente falou em união nacional:

 

“Não tente nos dividir. Se forçar os muçulmanos a se registrar, todos nós nos registaremos como muçulmanos. […] E há mulheres aqui, eu sei, que sobreviveram a uma indústria sexista nacional e global. Estamos unidos aqui pela integridade corporal. Você não pode controlar suas vidas, nossas vidas. E isso significa que o direito de decidir se e quando dar à luz sem interferência do governo.”

Assista ao discurso completo:

 

 

 

 

Madonna e outras celebridades pelas mulheres

 

Segundo a Reuters, o protesto começou pela manhã, enquanto Trump participava, ao lado de sua família e do vice-presidente Mike Pence, de uma cerimônia religiosa na Catedral Nacional de Washington, que tradicionalmente fecha os eventos de posse do novo presidente.

 

Nas ruas, além de milhares de pessoas, personalidades, como Madonna e Alicia Keys, as atrizes Scarlett Johansson, Ashley Judd e America Ferrero, e o cineasta Michael Moore, além de outros ativistas, discursaram contra o presidente e pediram mais respeito às mulheres, imigrantes, muçulmanos, gays, deficientes físicos e minorias.

 

“Bem-vindo à revolução do amor”, disse a Madonna, encerrando horas de discursos de celebridades e ativistas. “À rebelião. À nossa recusa como mulheres em aceitar essa nova era da tirania”.

 

Fonte: Brasil Post


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