A imagem que chamou a atenção
A imagem foi espalhada como “prova” da falta de representatividade na Esplanada — não há mulheres nem negros na composição do primeiro escalão do seu governo interino. É a primeira equipe com esse perfil (apenas homens brancos) desde o mandato de Ernesto Geisel (1974-1979), ainda no período da ditadura civil-militar.
Protestos apareceram de todos os cantos — do grupo que defende a permanência da presidente afastada Dilma Rousseff aos movimentos feministas e de mulheres.
O governo justificou que “não foi possível” levar a representatividade em conta uma vez que governo tinha sido montado às pressas e com base em indicações feitas pelos partidos. Além disso, argumentou Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, à época: “em várias funções nós tentamos buscar mulheres, mas por razões que não vêm ao caso aqui nós discutirmos, não foi possível”. Muitas personalidades se negaram a participar do governo interino, por considerá-lo ilegítimo.
O UOL conversou com nove mulheres notáveis em suas áreas, que poderiam ter sido convidadas para estar na equipe executiva de Temer. Essas personalidades comentam quais são os principais desafios das pastas e como elas fariam para contorná-los.
Fazenda: Monica de Bolle
O que você faria se fosse ministra da Fazenda? A economista Monica de Bolle, pesquisadora do renomado Peterson Institute for International Economics (Instituto Peterson para Economia Internacional, em tradução livre), respondeu em tópicos como enfrentaria a atual crise brasileira.
Tentaria, na medida do possível, evitar a introdução de impostos
1) Foco no médio prazo e na flexibilização do orçamento, com teto para o crescimento do gasto nominal.
Acrescentaria a isso a adoção de limites ao endividamento público para impedir que, futuramente, haja relações incestuosas entre Tesouro e Bancos Públicos. Limites para a dívida pública estão previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Reforçaria a LRF;
2) Tentaria, na medida do possível, evitar a introdução de impostos. Esclareceria que o Brasil terá de conviver com orçamentos deficitários até que a situação econômica e a arrecadação comecem a melhorar;
3) Usaria a necessidade de renegociar as dívidas dos Estados com a União como moeda de troca para a homogeneização do ICMS — ou seja, como forma de acabar com a guerra fiscal entre os Estados brasileiros. Isso é fundamental para melhorar a eficiência e a competitividade do que produzimos;
4) Trataria da reforma da previdência, conhecendo os limites do possível nesse debate;
5) Proporia reforma profunda do BNDES — temos de acabar com a segmentação no mercado de crédito provocada pelos empréstimos subsidiados. Como pesquisas minhas já mostraram, a diminuição de desembolsos subsidiados do BNDES aos níveis vistos em 2004 poderia diminuir as taxas de juros reais em até 1.3 ponto percentual. Tal redução no custo do capital melhoraria a evolução do investimento e da produtividade. A descompressão das taxas de juros nominais também provenientes da redução do crédito subsidiado do BNDES ajudaria a evolução das contas públicas. Como fazê-lo? Reorientando os empréstimos do banco, e atrelando de forma gradual a TJLP às taxas de mercado.
Educação – Professora Dorinha
Deputada federal pelo DEM de Tocantins, a professora Dorinha Seabra Rezende foi uma parlamentar atuante na elaboração do PNE (Plano Nacional de Educação). Antes dos mandatos legislativos, foi secretária estadual de Educação de seu Estado.
Para ela, é impensável que a educação perca recursos. Veja abaixo seus comentários sobre a pasta da Educação:
“É preciso entender que o PNE (Plano Nacional da Educação) é um programa de Estado, não de governo — não é um programa do PT e foi pactuado com toda a sociedade. Acho que ele dá um norte para qualquer governo que entre. O PNE já está atrasado e o grande problema é orçamentário.
Quando olha o valor individual gasto por aluno, a gente gasta muito pouco.
O CAQ (Custo Aluno Qualidade) é estratégico, ele vai dizer qual é o padrão do que podemos chamar de escola. Não se trata de luxo, é o mínimo.
Outra questão relevante é a carreira do professor: é preciso fazer a construção de uma boa formação e de uma boa carreira. O professor precisa ser avaliado, monitorado, mas temos que dar condições [de trabalho].”
Saúde – Carmen Zanotto
Enfermeira, Carmen Zanotto é deputada pelo PPS de Santa Catarina. Ela ocupou os cargos de secretária-adjunta e de secretária estadual de Saúde de seu Estado de origem entre 2003 e 2010. Abaixo, seu posicionamento sobre os desafios e possíveis rumos da pasta da Saúde:
Estamos sob o risco de um colapso no sistema em função do subfinanciamento.
Por ser um homem experiente e que tem grande conhecimento da lógica orçamentária, Ricardo Barros sabe que precisamos aprovar a PEC da Saúde, de que sou relatora. A matéria restabelece de forma escalonada ao longo de sete anos o financiamento do sistema.
É vital destinar mais recursos ao sistema público de saúde associado sempre ao aprimoramento da gestão a fim de minimizar as dificuldades do SUS.
Na mesma medida, precisamos melhorar o acesso da população às ações e serviços de saúde, isso é fundamental. Sou defensora desse sistema de saúde que é reconhecido como um dos mais avançados do mundo.”
Defesa – Martha Rocha
A deputada federal Martha Rocha (PDT-RJ) tem um histórico de ineditismos na segurança pública do seu Estado natal, o Rio de Janeiro: primeira delegada da Polícia Civil, primeira corregedora da Polícia Civil e primeira mulher a chefiar a Polícia Civil. Para a pasta da Defesa, há certa tradição de nomear militares, mas não há mulheres com as mais altas patentes nas Forças Armadas Brasileiras.
A convite do UOL, a advogada concordou em opinar sobre a pasta:
“A palavra-chave é integração. O Ministério da Defesa poderia estar mais integrado com as Secretarias de Segurança Pública dos Estados. Podemos citar o exemplo do Rio de Janeiro, que vive momentos dramáticos na política de segurança.
A presença de agentes da Força Nacional de Segurança em alguns locais da cidade seria extremamente importante no combate ao tráfico de drogas e armas.
Mas não apenas de forma ostensiva – como foi feito algumas vezes – e sim com objetivos pré-estabelecidos.
Outro ponto essencial seria a parceria entre os setores de inteligência dos organismos federais e estaduais.
A troca de informações é crucial para tentar resolver problemas crônicos e graves da segurança pública como a entrada de armas por fronteiras do país.
A cooperação das Forças Armadas também poderia se fazer presente com o empréstimo de equipamentos às polícias. Armas, aeronaves e embarcações ajudariam os Estados no combate à violência.
Por ser absolutamente estratégico para qualquer grande nação do porte do Brasil, o Ministério da Defesa deveria se aproximar mais da realidade de violência enfrentada diariamente pela sociedade.
Ciência e Tecnologia – Mayana Zatz
Mayana Zatz é coordenadora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco, da USP (Universidade de Sâo Paulo). Participou ativamente da aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias pelos parlamentares (2005) e pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em 2008.
Ela preferiu comentar apenas sobre os desafios e possibilidades do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação — na reforma ministerial proposta pelo governo interino, a pasta das Comunicações foi fundida ao MCTI.
“Em primeiro lugar, é necessário que haja uma política de Estado [para Ciência e Tecnologia] se quisermos avançar.
Fico preocupada com a junção dos ministérios [Comunicação foi incluída] porque isso significa uma redução de verbas e, atualmente, o repasse já é baixo: investimos cerca de 1,5% do PIB quando se investem 3% em outros países.
Levando em conta a situação econômica, acho que poderíamos ter leis, como a Lei Rouanet, para a Ciência e Tecnologia, para que a iniciativa privada pudesse investir com isenção ou vantagens fiscais.
[Também acho que poderia ser incentivada a] filosofia das PPPs (Parcerias Público-Privadas), em que as empresas financiassem as pesquisas aplicadas e as universidades, pesquisa teórica.
Outra mudança é diminuir a burocracia das importações. Tenho defendido importar material de pesquisa como se importa livros. Acho que essas medidas poderiam ajudar nesses momentos de penúria, em que estamos perdendo cérebros.”
Meio Ambiente – Suzana Kahn
Suzana Kahn é presidente do Painel Brasileiro de Mudança Climática, coordenadora do Fundo Verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro e integrante do IPCC (painel da ONU sobre clima). Entre 2008 e 2010, a engenheira foi secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente.
Para garantir uma trajetória de desenvolvimento mais adequado, é preciso que haja um pensamento estratégico voltado para o século 21
Ela diz: “A questão da mudança climática é a mais urgente. É fundamental que o acordo de Paris seja ratificado ainda em 2016 — o Brasil ainda não o fez– para que comece a ser implementado em 2020. Parece algo a longo prazo, mas é importante todos os governantes terem clareza da agenda climática do Brasil. Deve ser um eixo central do desenvolvimento do país, porque você está abarcando uma série de outras questões, como a redução das iniquidades sociais. É como se fosse um grande guarda-chuva. Para garantir uma trajetória de desenvolvimento mais adequado, é preciso que haja um pensamento estratégico voltado para o século 21, e o Ministério do Meio Ambiente pode liderar essa reflexão. Não faz sentido, por exemplo, segurar o preço da gasolina e não o do etanol, ou o imposto de uma bicicleta ser percentualmente maior do que o de um automóvel”.
Integração Nacional – Simone Tebet
Na vida pública desde 2004, Simone Tebet é, atualmente, senadora pelo PMDB do Mato Grosso do Sul. A advogada foi cogitada para assumir a liderança do governo interino de Michel Temer e o ministério do Planejamento, mas recusou os convites por acreditar que pode colaborar mais com questões jurídicas no Senado que na articulação política.
Convidada pelo UOL para pensar em uma participação no Ministério da Integração Nacional, ela reforçou que falta boa gestão:
“Diante desse momento de meta fiscal negativa, quando se terá um teto muito pequeno para se gastar, é preciso priorizar obras de infraestrutura que atraiam outros investimentos, como indústrias, para atrair empregos.
Também é fundamental fazer um diagnóstico das potencialidades e dificuldades de cada área, um mapeamento de todo o país, que fundamente a criação de um Plano Nacional de Desenvolvimento Regional com metas, diretrizes e programas, para determinar o que é prioritário e estratégico em cada região.
O que ocorre atualmente é a demanda e a pressão de prefeitos, parlamentares, sobre o que eles acham que precisa ser feito.
Hoje se faz uma ponte em uma cidade cujo prefeito é amigo de alguém, por exemplo. O que falta é um bom gerenciamento, um gestor com pulso, para aplicar bem a carga tributária.
A partir do momento que você restringe a liberdade, retira a discricionariedade do ministro de liberar mais para um ou para outro, você abre uma linha de conforto para que ele possa atuar sem criar problemas políticos e dizer, por exemplo, “infelizmente eu não posso atender, porque tenho que cumprir a meta do semiárido nordestino antes”.
As pessoas acham que mulher, por ser dona de casa, quando entra na política, só pensa no social. Pensamos no social, sim. Mas a dona de casa, por exemplo, sabe que não se faz social sem dinheiro.
Esporte – Ana Moser
A ex-jogadora de vôlei Ana Moser seguiu na área dos esportes, mesmo após se aposentar das quadras em 1999: além de atuar na ONG Atletas pelo Brasil, que tem por objetivo profissionalizar a gestão do esporte no Brasil, ela também fundou o Instituto Esporte Educação, que trabalha com formação para o esporte, de crianças e professores.
Eis os pensamentos da atleta sobre os desafios e rumos para o Ministério do Esporte:
“Nesse momento, o principal problema do Ministério do Esporte é fazer a Olimpíada, esse evento está tomando a agenda. E está tudo sendo feito com muito profissionalismo.
O que acontece é que a ação do Esporte foi voltada para os grandes eventos em vez de ter uma agenda voltada para a prática de esportes.
O Brasil ainda tem uma população muito inativa. Temos algumas questões [como os efeitos do sedentarismo e a possibilidade de melhoria do rendimento escolar das crianças] que são até justificativa para a prática do esporte.
Quando se fala em [prática de] esporte, a gente está falando em desenvolvimento pessoal, desenvolvimento cognitivo, autoestima, saúde preventiva, hábitos ativos e [até] ocupação dos espaços públicos. A política de esporte só se sustenta quando se relaciona com os outros setores.
Além disso, o setor ainda tem que avançar na questão da transparência nos recursos. Estamos melhorando, esse é um problema histórico, mas ainda existe muito o que fazer.”
Agricultura – Irenilza de Alencar Nääs
Irenilza de Alencar Nääs é professora universitária desde 1976 — trabalhou entre 1976 e 2003 na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e, atualmente, é titular na Unip (Universidade Paulista), sempre na área de engenharia agrícola e de alimentos.
A agricultura familiar e o agronegócio ficam brigando, mas, se houver um planejamento, cada um cumpre o seu lugar.
O que ela diz sobre o Ministério da Agricultura: “Acredito que o Brasil precisaria ter um planejamento estratégico do agronegócio. O desenvolvimento da agricultura brasileira precisa ser sustentável. Para que isto aconteça, os ministérios de Agricultura e do Meio ambiente deveriam trabalhar juntos e investir em um planejamento estratégico apropriado e coerente. Desta forma, o país poderia ter ações concretas no curto, médio e longo prazos, inclusive podendo enfrentar os desafios que virão com a mudança climática global. Temos tecnologias disponíveis que poderão dar suporte a ações neste sentido, mas talvez precisemos repensar o modelo brasileiro de ser um país eminentemente político, para adotar algum conteúdo técnico. Sem inovação, tecnologia e um bom planejamento estratégico não vamos muito longe no desenvolvimento, embora tenhamos o perfil de celeiro do mundo na questão de produção de alimentos”.
Temer: após pressão, algumas mulheres entram no governo
Fonte: Uol