Para a diplomacia brasileira, “xenófobo” Trump não passaria das primárias

Na avaliação da diplomacia brasileira, a candidatura do republicano Donald Trump à Presidência dos EUA não passaria das primárias do partido e o seu estilo de campanha apresentava sinais de desgaste antes mesmo do começo das prévias nos Estados norte-americanos. É o que mostram documentos do Itamaraty obtidos pelo UOL pela lei de acesso à informação.

 

Nas comunicações da missão diplomática brasileira emitidas no período entre janeiro de 1999 e dezembro de 2015, palavras como “xenófobo” e “histriônico” e “excêntrico” são usadas em referência a Trump. Suas propostas, segundo os despachos, são “mirabolantes”.

 

“Apesar do crescimento surpreendente de figuras como Trump e Sanders, (…) ainda é baixa, entre analistas, a expectativa de que ambos venham a efetivamente vencer as primárias de seus respectivos partidos (no caso de Trump, seus altos níveis de aprovação são acompanhados por igualmente altos níveis de rejeição)”, diz o embaixador do Brasil nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo Machado, em comunicação enviada pela embaixada em Washington para o Itamaraty em 14 de agosto de 2015, logo após Trump anunciar sua candidatura.

 

Nas primeiras pesquisas publicadas após a confirmação da candidatura de Trump, o magnata já liderava a disputa –ele saiu na frente com uma diferença de mais de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado na época, Jeb Bush, irmão do ex-presidente George W. Bush.

 

Trump garantiu vitória com tranquilidade em relação aos rivais nas primárias do Partido Republicano, e foi o grande vencedor da chamada Superterça, realizada em fevereiro, seis meses depois do despacho emitido pelo embaixador.

 

Ao comentar a candidatura de Trump, em 22 de junho de 2015, Machado afirmou que o magnata faz “jus à personalidade excêntrica”.

 

“O mais recente candidato é o bilionário Donald Trump, que finalmente anunciou sua intenção de concorrer à Presidência após décadas de flerte com a possibilidade. Seu discurso, proferido na terça-feira, 16, na Trump Tower de Nova York, fez jus à personalidade excêntrica do empresário e estrela de TV. Trump proclamou-se “a pessoa mais bem-sucedida da História a concorrer à presidência” e, afirmando ser “realmente rico”, disse poder dedicar mais tempo à campanha – e não a eventos de levantamentos de recursos – por financiar-se sozinho.”

 

Stephen Crowley/The New York Times

 

 

O embaixador afirmou ainda que as declarações “xenófobas” de Trump fizeram com que ele liderasse as pesquisas entre o eleitorado republicano. O diplomata ainda desprezou as propostas do candidato e sugeriu que ele é uma espécie de comediante. A candidatura dele ainda teria acabado com a “relativa paz intrapartidária existente até recentemente entre os republicanos”.

 

“Suas declarações xenófobas sobre imigrantes ilegais mexicanos em seu pronunciamento de lançamento de campanha (‘quando o México traz sua gente […], trazem drogas, trazem crime. São estupradores, e alguns, acho, até são boas pessoas’), junto de sua personalidade histriônica e de promessas mirabolantes, como a construção de um muro na fronteira sul (à qual fará ‘o México pagar’), alçaram-no rapidamente ao topo das pesquisas nas primárias republicanas.”

 

A aposta do embaixador, em agosto de 2015, entre os que seriam nomeados para a disputa para a Casa Branca era em Hillary Clinton, no campo democrata, e Jeb Bush, no campo republicano. Bush acabou desistindo nas prévias. Ele avaliava, entretanto, que a campanha de Bush corria riscos com a forma como Trump ganhou espaço.

 

Em novembro de 2015, o cônsul-geral do Brasil em Miami, Hélio Vitor Ramos Filho, avaliou que a fala de Trump mais dura contra os imigrantes obrigou os rivais dentro do Partido Republicano a elevarem o tom na questão para agradar o eleitorado mais conservador.

 

“Na perspectiva da Flórida, tradicionalmente liberal em questões migratórias, o duro discurso de Donald Trump, que vinha liderando as primárias republicanas, contra os imigrantes tem forçado outros candidatos a adaptarem-se para conquistar parcelas do eleitorado mais conservador. A mudança de discursos do ex-governador da Flórida Jeb Bush e do senador Marco Rubio demonstra essa tendência.”

 

Outro lado

 

Questionado sobre o teor das comunicações, o Itamaraty afirma que elas não representam posições oficiais do governo brasileiro. Diz ainda que são análises internas feitas por funcionários e que não necessariamente retratam posições do Estado ou do governo brasileiros, mas que constituem “apenas comunicações que buscam informar e contribuir para a formulação da política externa do país”.

 

Questionado ainda sobre a avaliação da candidatura de Trump pela atual chefia da diplomacia brasileira, o Itamaraty disse que “não se pronuncia sobre cenários eleitorais de outros países”.

 

Em entrevista ao “Correio Braziliense em julho deste ano, o chanceler José Serra afirmou considerar “a hipótese do Trump um pesadelo”. “Todos que querem o bem do mundo devem apoiar a Hillary, a meu ver”, acrescentou, na ocasião.

 

Os primeiros indícios de uma candidatura de Trump

 

Ainda em 1999, o então embaixador brasileiro nos EUA no governo FHC, Rubens Barbosa, cita os esforços de Trump para a nomeação como candidato à presidente, mas pelo Partido Reformista em 2000.

 

No despacho, Trump é identificado como “ex-republicano”. Ele avalia como esta nova legenda poderia tirar votos do então candidato George W. Bush, e menciona o avanço na candidatura de Al Gore pelo Partido Democrata. A candidatura de Trump não foi para frente, e Bush vence em 2000 em uma votação contestada por Gore.

 

Novas referências às aspirações políticas de Trump voltam a aparecer nos despachos em 2011. Em análise enviada por Marcia Loureiro, então encarregada de negócios da embaixada brasileira em Washington, em 29 de abril de 2011, ela afirma que Trump não seria um candidato capaz de debater de forma adequada e que sua candidatura não passaria pelas primárias para um confronto com Obama, que tentaria a reeleição em 2012.

 

Todd Heisler/The New York Times

 

 

“O cenário que se antecipa, de um debate ideológico sobre o tamanho e as funções do Estado, depende, naturalmente, de que haja um candidato republicano em condições de debater razoavelmente. Entre os possíveis pré-candidatos, há vários republicanos dispostos a travar essa batalha (casos de Mitt Romney, Mitch Daniels, Tim Pawlenty, Chris Christie ou até mesmo Mike Huckabee, todos eles governadores ou ex-governadores, ou Newt Gingrich, ex-Presidente da Câmara e político de reconhecidas aptidões intelectuais). A polêmica em torno da certidão de nascimento, no entanto, não fez senão aumentar a visibilidade de Donald Trump, e com ele a dos setores mais radicais, afins a Sarah Palin ou Michelle Bachman. Parece improvável, hoje, que uma eventual candidatura de Trump — por mais entusiasmo que seus contra-sensos [sic] tenham gerado junto em audiências específicas — possa sobreviver aos ritos e tempos do processo de primárias. Ainda assim, trata-se de um elemento a ser observado de perto.”

 

Trump ainda é apontado por Marcia como um dos responsáveis por disseminar o boato sobre a ausência da certidão de nascimento do presidente Barack Obama e os questionamentos sobre a sua nacionalidade americana –Obama posteriormente apresentou o documento. Recentemente, durante a campanha presidencial, Trump acusou um ex-funcionário da campanha de Hillary de espalhar o boato e admitiu que o presidente nasceu em território americano.

 

“Essas teorias conspiratórias, até então restritas a ‘talk shows’ radiais e blogs extremistas, ganharam exposição inédita quando esposadas pelo empresário e apresentador de TV Donald Trump, que há duas semanas vinha insistindo em reproduzi-las em quantos veículos se dispusessem a ouvi-lo.”, diz Marcia.

 

Para Marcia, os republicanos tinham chance de derrotar Obama nas urnas se a economia americana não desse sinais satisfatórios até o segundo semestre de 2012 –quando a votação ocorreu– e se tivessem um candidato que agradasse os eleitores independentes. Obama foi reeleito com 332 delegados no colégio eleitoral dos 270 necessários.

 

Em maio de 2011, o embaixador brasileiro, Mauro Vieira, chama a candidatura do magnata pelo Partido Republicano de “breve flerte”. Ele afirma que a campanha de Trump perdeu a chance de vingar assim que Obama rebateu as críticas e boatos sobre a sua cidadania. Em sua análise na época, Trump é chamado de “pitoresco”.

“Foi justamente por conta dessa demora, e da insatisfação com os nomes que já haviam formalizado sua intenção de concorrer, que subitamente se abriu espaço, na mídia e nos debates públicos, para distrações como o breve flerte do milionário Donald Trump com a candidatura opositora — opção finalmente descartada quando o Presidente Obama desmoralizou definitivamente as teorias conspiratórias endossadas pelo quase candidato, referentes ao local de nascimento do primeiro mandatário. À sua desistência seguiram-se, pouco tempo depois, as de Mike Huckabee, ex-Governador de Arkansas, e de Haley Barbour, atual Governador do Mississippi, ambos tidos como candidatos muito mais críveis do que o pitoresco Trump.”

 

Trump de olho no terreno da ONU

 

Em documentos de 2005, o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Mota Sardenberg, falou sobre os interesses comerciais de Trump no terreno da sede da ONU em Nova York, e, por isso, o bilionário seria contra o projeto de reforma do edifício.

 

Segundo Sardenberg, Trump ainda foi contra a construção da Freedom Tower no local em que estavam as Torres Gêmeas, e defendia que a ONU fosse transferida para lá.

 

“No final dos anos 90, Trump conseguiu erguer o seu ‘Trump World Tower’, com mais de 70 andares, na Primeira Avenida, próximo à sede da Organização, apesar de a ONU ter buscado embargar a obra alegando violação ao Acordo sede. Em resposta, Trump afirmava ironicamente que os funcionários das Nações Unidas iriam acabar morando no novo edifício, em que um apartamento de 1 quarto custava US$ 440.000,00, na época. Além disso, as declarações de Trump fazem eco às críticas que ele mesmo fez, há aproximadamente dois meses, sobre o atual projeto da “Torre da Liberdade” (“Freedom Tower”), que será construída no local onde existiam as torres do WTC. Para Trump, o referido projeto deveria ser descartado (“throw it all away”), e no lugar, deveriam ser erguidas duas nova torres maiores que as anteriores.”

 

Damon Winter/The New York Times

 

 

Sardenberg fala ainda, em outro documento, sobre a resposta dada pela ONU sobre a contestação de Trump, que chegou a ser debatida pelo Senado dos EUA.

 

“Em resposta, os funcionários do Escritório do CMP da ONU [o grupo da entidade responsável pelo projeto da reforça] buscaram sempre desmerecer os argumentos do Senhor Trump com base no fato de que ele não conhece o prédio da ONU. Segundo o diretor do Escritório do CMP, o Senhor Trump só esteve no prédio uma vez e foi do lobby ao escritório do SGNU (‘He does not know the UN, but we know his reputation’).”

 

Ela afirma ainda, no mesmo documento enviado antes da disputa de reeleição de Barack Obama, que Trump não seria um candidato capaz de debater de forma adequada e que sua candidatura não passaria pelas primárias para um confronto com Obama.

 

“O cenário que se antecipa, de um debate ideológico sobre o tamanho e as funções do Estado, depende, naturalmente, de que haja um candidato republicano em condições de debater razoavelmente. Entre os possíveis pré-candidatos, há vários republicanos dispostos a travar essa batalha (casos de Mitt Romney, Mitch Daniels, Tim Pawlenty, Chris Christie ou até mesmo Mike Huckabee, todos eles governadores ou ex-governadores, ou Newt Gingrich, ex-Presidente da Câmara e político de reconhecidas aptidões intelectuais). A polêmica em torno da certidão de nascimento, no entanto, não fez senão aumentar a visibilidade de Donald Trump, e com ele a dos setores mais radicais, afins a Sarah Palin ou Michelle Bachman. Parece improvável, hoje, que uma eventual candidatura de Trump — por mais entusiasmo que seus contra-sensos [sic] tenham gerado junto em audiências específicas — possa sobreviver aos ritos e tempos do processo de primárias. Ainda assim, trata-se de um elemento a ser observado de perto.”

 

Fonte: Uol


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