Bombeiros e civis ajudam no resgate de vítimas após explosão de prédio em Aleppo, no norte da Síria, em junho deste ano
Toda manhã, ao chamado da manhã à oração, mulheres e crianças se movem em silêncio de Douma, um subúrbio de Damasco, para os campos agrícolas vizinhos, para se protegerem dos bombardeios diários pelo governo sírio.
A caminhada faz parte de uma rotina surreal descrita pela fração dos moradores de Douma que permanece na cidade: compras em ruas semidemolidas, busca por verduras silvestres, realização de enterros em massa. Mas nem mesmo os campos são seguros. Recentemente, disseram médicos, as bombas mataram duas famílias ali –-10 pessoas, incluindo sete crianças.
Enquanto multidões de sírios petrificam o mundo com sua fuga para a Europa, esse tipo de vida é um dos muitos pesadelos dos quais estão fugindo. Eles deixam para trás bairros cada vez mais vazios –-dos subúrbios de Damasco até a cidade de Aleppo, no norte-– que testemunham a escala do êxodo.
Esses bombardeios prosseguem há anos em áreas mantidas pelos insurgentes como Douma, uma das primeiras a se rebelarem contra o governo em 2011. Mesmo assim, a situação ainda pode piorar. O mês passado em Douma deixou isso claro.
As forças do governo iniciaram uma barragem ainda mais intensa que o habitual, usando não apenas os projéteis de artilharia que Douma se acostumou a esperar, mas também ataques aéreos. Talvez quatro entre cinco moradores já tinham fugido daquela que antes era uma comunidade movimentada de cerca de meio milhão de habitantes, e os trabalhadores de emergência disseram que os novos bombardeios provocaram a fuga de mais milhares.
Mais de 550 pessoas, a maioria civis, morreram no mês passado em Douma e nos subúrbios próximos, 123 delas crianças, disseram os médicos da Crescente Vermelho. Agosto foi um dos meses mais sangrentos no distrito, com pelo menos 150 traumas físicos sendo tratados por dia de 12 a 31 de agosto –-um número que inclui apenas pacientes das 13 clínicas improvisadas que trabalham com a Médicos Sem Fronteiras.
Essa violência concentrada abala até mesmo os redutos mais firmes, disse Ahmed, um morador de Douma e paramédico na faixa dos 20 anos, que, por segurança, pediu para ser identificado apenas pelo seu primeiro nome. Dentre aqueles que permaneciam no início de agosto, metade fugiu, ele disse, enquanto o restante caminha diariamente para se esconder nos campos ou permanece “preso em casa, rezando para não serem mortos”.
Enquanto o foco internacional passou para a violência altamente divulgada do Estado Islâmico e para a ameaça que ela representa além da Síria, menos atenção é dada à luta original entre o presidente Bashar Assad e os grupos insurgentes que se ergueram após a repressão ao movimento de protesto em 2011.
Mas esse conflito anterior –-que transformou áreas residenciais em campos de batalha-– estava expulsando pessoas de seus lares muito antes da existência do Estado Islâmico em sua forma atual.
Grupos de defesa da oposição síria, assim como monitores internacionais como o Human Rights Watch, há muito argumentam que o bombardeio pelas forças de segurança a áreas sob controle dos rebeldes, como Douma, causa um grande número de vítimas civis, matando bem mais pessoas do que o Estado Islâmico. Apesar de não existirem números definitivos, um levantamento por um grupo civil da oposição síria, o Centro de Documentação de Violações, disse que 18 mil pessoas foram mortas por ataques aéreos, que apenas o governo pode realizar, e que mais de 27 mil morreram em ataques com artilharia e foguetes por todos os lados.
O governo sírio diz estar bombardeando terroristas.
No mês passado, mais de 450 civis morreram por bombardeios do governo em Ghouta Oriental, um semicírculo de cidades de classe trabalhadora mantidas pela oposição em torno de Damasco, segundo listas mantidas por uma divisão local da Crescente Vermelho árabe síria. Muitas das vítimas eram de Douma, disse o grupo, incluindo idosos, mulheres e crianças.
“Domingo Negro” é como os moradores de Douma chamam 16 de agosto. Pelo menos 122 pessoas morreram em um dos ataques aéreos mais mortais da guerra, em um mercado de hortifrutis, segundo agentes de resgate, a Rede Síria para Direitos Humanos e outros grupos de monitoramento.
Bilal Abu Salah, um morador que deixou o mercado pouco antes do ataque, é assombrado pelos rostos dos vendedores ambulantes que lhe vendiam pepinos, abobrinhas e berinjelas –-com preços inflacionados, como de costume. Minutos depois ele viu um coberto de sangue; um morreu, dois ficaram gravemente feridos.
O dr. Adnan Tobaji operava em uma clínica improvisada em um porão, às vezes no chão, sem anestesia ou material esterilizado. A escassez de suprimentos pode ser mortal, ele disse. Uma mulher morreu enquanto aguardava pela chegada de uma bolsa de sangue.
Os novos ataques evisceraram o pouco que restava da vida de rua e instituições locais de Douma. Nove funcionários da defesa civil foram mortos. As autoridades locais impuseram um toque de recolher e até mesmo cancelaram as orações de sexta-feira.
A queda livre de Douma levou Tobaji e várias centenas de colegas e moradores a assinarem uma petição por uma trégua humanitária completa, na esperança de que leve a negociações e um fim à guerra.
O pedido vem da rebelde Douma. Ele não estabelece pré-condições para o destino de Assad, há muito um ponto de discórdia.
“O destino de Assad não significa nada para nós em comparação ao destino da Síria, do país, do povo e das crianças”, disse Tobaji. “Neste momento, enquanto estamos falando, um sírio está sendo morto. Precisamos de uma solução de qualquer modo que pare os combates.”
A solução, ele acrescentou, “pode não ser adequada para mim ou para muitas outras pessoas, mas não é para mim, para esta ou aquela pessoa. É pela Síria”.
Fonte: – Maher Samaan e Anne Barnard