Como uma droga, a corrupção vicia e dá prazer, e o “tratamento” possível — a punição — não garante que o problema será resolvido, segundo profissionais de psicanálise, psiquiatria e ciência política, que se debruçam sobre a questão.
“A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre”, diz a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. “Essa sensação maravilhosa vicia, quer dizer, ela pode se tornar necessária para a manutenção do equilíbrio psíquico dessas pessoas. Se perderem esse barato, ou mesmo se se sentirem ameaçadas de perder esse barato, podem se deprimir seriamente ou surtar.”
“A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre”
Marion Minerbo
Para o psiquiatra Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, a corrupção é “um vício, um modo de vida” adotado por pessoas com “um vazio muito profundo” em seu sentimento de existência.
“Ele (o corrupto) tenta obter o maior número de coisas, de poder, de bens, o maior número possível para saciar um vazio na sua existência que ele nunca consegue saciar”, explica.
“Punição inibe até certo ponto”
Na esfera pública nacional, este vício é satisfeito pela oportunidade. Segundo a cientista política Rita Biason, do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp, a falta de controle é o maior incentivo para um corrupto.
“O indivíduo que tem a possibilidade de obter algum ganho fácil com a utilização de recursos públicos irá fazê-lo”, afirma. “O que temos são as duas extremidades: mecanismos de prevenção, como comitês e leis, e uma obsessão pela punição, como se ela fosse resolver. Só que a punição é um inibidor até certo ponto.”
De acordo com Rita, a corrupção aparece em um ciclo complicado, no qual um político depende de dinheiro para atender eleitores, se reeleger e continuar dentro do esquema.
“Quando eu entro [no esquema], de alguma forma eu acabo participando, e não acho que haja inocentes”, diz. “Não acho que seja uma escolha individual. É uma onda que te empurra e o mecanismo político que obriga a entrar. Se você está fora, você está fora do jogo.”
Um mal incurável
Seja pela compulsão, seja pela falta de freios, os especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a corrupção é um problema impossível de ser solucionado, mas pode ser contido.
“A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos dispositivos que temos para mantê-la sob controle”, reforça Rita Biason.
Segundo Portela, não se pode falar em cura. Um forte “choque moral”, diz o psiquiatra, pode conter o corrupto por certo tempo. Mas, como um dependente químico, ele pode sucumbir diante do contato com a “droga”.
“A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos dispositivos”
Rita Biason
A psicanalista Marion Minerbo, por sua vez, afirma que não é possível falar em tratamento para uma pessoa corrupta porque o fenômeno depende de fatores individuais, interpessoais e culturais.
“Mas é possível falar em ‘tratamento’, com aspas, se considerarmos os fatores interpessoais e culturais. A impunidade é o fator interpessoal que cria a cultura que confirma ao indivíduo que ele pode ser/ter tudo. Já a aplicação justa da lei é o fator interpessoal que desconstrói essa cultura. É possível — mas nada garante — que, uma vez punido, comece a sentir emocionalmente que, como todo mundo, infelizmente, ele não pode tudo. Poderíamos então falar em ‘cura’.”
Fonte: Bernardo Barbosa
Do UOL, em São Paulo