Vaquejada em Campina Grande (PB): falta de regulamentação atrapalha
Com o veto do STF (Supremo Tribunal Federal) à lei cearense que tornava a vaquejada como prática esportiva e cultural no Estado, os seus defensores se uniram e passaram a pressionar o Congresso para aprovar o projeto de lei que regulamenta e define regras para a atividade.
Mas por que a vaquejada entrou na mira do STF e os rodeios — também questionados por defensores de animais –, ocorrem sem problemas?
A diferença básica é que a prática de rodeios foi regulamentada por duas leis federais em 2002, que estabeleceram regras que minimizam os maus-tratos aos animais. No caso da vaquejada, não há leis desse tipo.
A vaquejada é uma prática onde o vaqueiro, montado no cavalo, precisa segurar o rabo do boi e derrubar o animal na área demarcada. Para isso, outro vaqueiro vai ao lado do animal para evitar que ele fuja para as pontas da pista. Já no rodeio, o montador vence ao se segurar por mais tempo em cima de um boi ou cavalo, que salta para o derrubar.
Demora em criar regras
Segundo o consultor jurídico da Abvaq (Associação Brasileira de Vaquejada) e representante do Nordeste da Associação Brasileira de Criadores de Quarto de Milha (raça de cavalo usada na prática), o advogado Henrique Carvalho, o problema da vaquejada foi que a definição de regras para proteção animal e divulgação ao público demoraram a ocorrer.
“A vaquejada demorou a vir a público mostrar que não há maus-tratos, como já fez o rodeio. Agora é que os meios de comunicação de grande alcance estão chegando, diferente do que houve com o rodeio”, explica, citando que a solução agora é votar o projeto de lei sobre o assunto.
Segundo Carvalho, todas as questões relativas a maus-tratos aos animais foram sanadas. “Resolvemos todos os passivos. Existia, antigamente, uma fratura de cauda do boi, e existe um protetor desenvolvido e patenteado que é usado há dois anos. Esse problema foi solucionado completamente, com 100% de êxito. Outro problema que dizem, e que é mentira, que na vaquejada e no rodeio usava choque no animal. Quando se dá choque no boi, ele fica mais lento, e precisamos que ele corra e, no rodeio, pule. Já em relação à queda do boi, foi resolvido com um colchão de areia de mais de 30 cm, que garante a segurança do animal”, disse.
O advogado explica ainda que os bois usados em rodeio são caros e não sofrem qualquer tipo de ferimento, sob pena de prejuízo aos participantes.
“O boi participa da corrida apenas uma vez na vida, porque após isso ele cria uma habilidade, passa a ter uma destreza que ninguém consegue derrubar. Esses bois maiores, da fase final da vaquejada, vão da prova direto para o abate. Se machucasse, os frigoríficos não receberiam. O custo de um boi desse varia de R$ 2 mil a R$ 4.000, ou seja, ficaria completamente inviável sob a perspectiva econômica”, explica.
Sobre a decisão do STF, Carvalho conta que é necessário ainda esperar a publicação do acórdão e dos votos dos ministros. Por ora, o calendário de vaquejadas segue normalmente.
“A votação foi apertada (6×5), e o que vai atingir as outras vaquejadas não é a decisão, mas sim o motivo pelo qual os ministros votaram. Se julgaram que a lei é ilegal porque causa maus-tratos, transcenderá para todos os Estados. Se isso não ficar específico, se algum ministro votou contra porque a lei não tinha previsão de colchão de areia, do protetor de cauda, aí muda tudo”, conta.
Rodeio dentro da lei
Já no lado do rodeio, a prática tem regulamentação federal que prevê uma série de regras que garantiriam o bem-estar animal. “São duas leis criadas juntas com a confederação. Entramos com uma solicitação, passou no Congresso, foi para o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que a sancionou”, explica Roberto Vidal, presidente da Cnar (Confederação Nacional de Rodeio), que também defende a regulamentação da vaquejada.
Apesar da regulamentação, o rodeio não escapa de decisões de juízes e até de leis municipais que vetam a prática. Isso ocorre com relativa frequência, segundo Vidal. Desde 2013, foram pelo menos 13 decisões derrubadas que vetaram rodeios.
“Eles entram com ações e conseguem essas decisões. Às vezes, o cara é de uma cidade, fala com o promotor, diz um monte de barbaridade, e o MP entra com a ação e o juiz acolhe. Mas temos ido em instâncias superiores e derrubado. Metade ou mais conseguimos derrubar”, explica.
Hoje, o rodeio conta com uma confederação, que tem federações em 16 Estados e 1.800 eventos no Brasil. “Começamos com cinco federações e crescemos. Defendemos que tem de ocorrer, sim, um controle. Sem dúvida, mas com esse parâmetro, não há problemas, como é o nosso caso”, explica.
Com a lei, a confederação criou o “selo verde”, que garante que aquele rodeio está realizando de forma legal e sem maus-tratos. Além da lei, há uma instrução normativa de 2008, do Ministério da Agricultura e Pecuária, e manual de responsabilidade técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária, de 2010.
“Quem garante do bem-estar animal é uma comissão de veterinários. Eles que andam e vão ver uma série de fatores. Existem lendas, por exemplo, de que o rodeio aperta os testículos do boi. Não é verdade”, disse.
Projetos e leis
Na última terça-feira (1), o Senado aprovou o projeto de lei que eleva a vaquejada e o rodeio à condição de “manifestação cultural nacional”.
Ainda há projetos na Câmara: um projeto de lei e uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que podem definir as regras e regulamentar a vaquejada no Brasil. O tema não é novidade na casa, mas ganhou força com a decisão do STF que considerou a prática inconstitucional.
Em 2014, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara aprovou um p rojeto de lei do deputado Efraim Filho (DEM-PB) que classifica a vaquejada como “atividade desportiva”. “Sua prática deve respeitar as regras de proteção à saúde e à integridade física dos animais”, diz o projeto, que aguarda votação.
Já a PEC citada é 270/16, que classifica rodeios e vaquejadas patrimônio cultural imaterial brasileiro, de autoria do deputado João Fernando Coutinho (PSB-PE). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu criar uma comissão especial para analisar a PEC.
Além da lei cearense derrubada, outros Estados têm leis próprias. Na Bahia, há uma lei sancionada em novembro de 2015 regulamentando as vaquejadas. Em setembro também do ano passado, foi a vez de Alagoas aprovar uma lei que transformou a vaquejada em esporte.
Depois da decisão do STF, as assembleias do Rio Grande do Norte e do Piauí tiveram projetos apresentados projetos para tornar a vaquejada patrimônio cultural e regulamentando-a como atividade esportiva. Na Paraíba, houve a instalação da Frente Parlamentar em Defesa da Vaquejada.
Maus-tratos em ambos
Para os defensores de animais, não há muita diferença entre as duas práticas. “É uma prática cruel, não tem nada de tradição, cultura, esporte: é sadismo e tortura animal! E mesmo se for tradição, tem que acabar. A escravidão não era tradição, cultura e não acabou?”, questiona Geuza Leitão, presidente da UIPA (União Internacional de Proteção Animal), que questionou a lei cearense.
Segundo ela, tanto a vaquejada, como o rodeio, submetem a um tratamento cruel os animais, com práticas que não seriam mostradas ao público. “Os rodeios, por exemplo, para o boi pular, é colocado um cinto para apertar a virilha. Na vaquejada, cortam o chifre do animal para não furar o cavalo e o montador. Regulamentar é um erro. Não existem essas práticas sem crueldade aos animais”, disse.
Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), a vaquejada deve ser proibida por ser ofensiva aos animais, e por ser dever do Estado protegê-los.
“É ressabido que as vaquejadas traduzem situação notória de maus tratos a animais. A prática é inconstitucional, ainda que realizada em contexto cultural. (…) O fato de a atividade resultar em algum ganho para a economia regional tampouco basta a convalidá-la, em face da necessidade de respeito ao ambiente que permeia toda a atividade econômica”, disse, em parecer na ação do STF que derrubou a lei cearense, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Fonte: Uol