A presidente Dilma Rousseff convidou seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil em março. Se aceitasse (como o fez) e assumisse (como ainda não pôde fazer – o Supremo Tribunal Federal julga hoje o caso), Lula teria papel fundamental na articulação política do governo, fundamental em meio ao processo de impeachment do qual é alvo.
Além de algumas regalias, a nomeação também daria a Lula foro privilegiado. Ou seja, nas investigações da Operação Lava Jato, deixaria a alçada de Sérgio Moro, juiz de primeira instância, e seria julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) se o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, oferecer denúncia contra ele.
Mas, afinal, o que é foro privilegiado? Como funciona?
O UOL conversou com Gustavo Badaró, professor associado de direito processual penal da Universidade de São Paulo (USP), e Bruno Ramos, advogado da área cível. Coube a eles responder o que há de privilégio neste foro, como diferentes autoridades podem recorrer a tais julgamentos e por que o foro privilegiado nem sempre é tão bom quanto se possa imaginar.
O que é o foro privilegiado?
A expressão “foro privilegiado” remete a privilégio, mas essa ideia em um julgamento é imprópria, segundo Badaró. O que o foro estabelece é que pessoas com funções sociais relevantes sejam julgadas por tribunais correspondentes a esses cargos. Ou seja, quanto mais importante a pessoa pública, mais alta será a hierarquia do tribunal que a julgará. “O que a gente tem hoje é foro por prerrogativa de função”, explica o professor.
Quem tem direito a foro privilegiado?
Autoridades públicas em geral têm esse direito em caso de julgamentos por crimes citados na Constituição Federal. Prefeitos e juízes, por exemplo, podem recorrer a um foro privilegiado em segunda instância. Governadores podem recorrer a um foro em terceira instância, enquanto presidentes, vices, deputados federais, senadores e ministros têm foro privilegiado em última instância, ou seja, no STF (Supremo Tribunal Federal).
Há quantas instâncias na Justiça brasileira?
A Justiça tem quatro instâncias, sendo que o STF é a maior (e a última) delas. Na primeira instância, cidadãos comuns são julgados por juízes em seções ou varas. Na segunda instância, os casos são julgados por um desembargador do TJ (Tribunal de Justiça) ou pelo TRF (Tribunal Regional Federal). Na terceira instância, está o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Qual é a vantagem de um julgamento com foro privilegiado?
O principal ponto de tais julgamentos é a paridade de poderes: cidadãos comuns são julgados por instâncias inferiores, enquanto ocupantes de cargos públicos são julgados por tribunais de instâncias superiores. Tal separação garante independência do Poder Judiciário e evita pressões nos julgamentos — tanto dos acusados sobre os magistrados julgadores quanto dos próprios tribunais sobre os acusados.
Assim, se um acusado recorre a uma instância superior para ser julgado, coloca o caso nas mãos de juízes com um grau mais elevado de exigência.
Além disso, acusados com foro privilegiado não podem ser alvo de prisão preventiva ou temporária. Só vão para a cadeia em caso de condenação ou de flagrante de crime inafiançável.
Qual é a desvantagem de um julgamento com foro privilegiado?
A principal desvantagem é que o condenado tem menos instâncias para recorrer. Salvo raras exceções, também não pode recorrer caso seja julgado diretamente pelo STF, a mais alta corte do país.
Além disso, de acordo com Gustavo Badaró, o foro privilegiado não permite a revaloração de provas dos autos, apenas uma reinterpretação do que já foi apresentado. Segundo Bruno Ramos, isso equivale a dizer que um acusado não pode pedir para que provas sejam avaliadas novamente e o recurso somente é admitido em algumas situações específicas –por exemplo, violação grave da lei ou da Constituição ou quando for necessário “uniformizar” o entendimento para casos semelhantes.
Fonte: Emanuel Colombari
Do UOL, em São Paulo