Rafaela Silva precisou do feminismo e de ações afirmativas* SIM

Vi esse meme algumas vezes na minha timeline e acho importante elucidar algumas questões para evitar que esse tipo de chorume (não consigo definir de outra forma) se propague ainda mais.

Rafaela Silva precisou do feminismo e de ações afirmativas* sim. Vou dizer em quais momentos.

1) Através do feminismo, mulheres puderam competir nos Jogos. Em 1900, seis mulheres feministas enfrentaram as regras olímpicas, obrigando a organização a criar um evento paralelo. Esse torneio paralelo foi levado até 1928. O Barão de Coubertim, criador das Olimpíadas Modernas, inclusive pediu demissão afirmando que a presença feminina era uma traição ao espírito olímpico. Ainda hoje, há muito a ser conquistado, como divergências nos valores de patrocínio.

2) Precisou do feminismo para entrar na Marinha. Com mulheres na corporação somente a partir da década de 80, apenas em 1996 foi aceita a promoção de oficiais mulheres, através de lutas feministas.

3) Precisou também de ações afirmativas (trecho editado. Abaixo, explico o otivo). Além da atuação do Instituto Reação, coordenada pelo medalhista olímpico Flavio Canto, ela foi, durante anos, beneficiária do Bolsa Atleta, programa do Ministério do Esporte que atende jovens promissores. Sem o benefício da bolsa e dos patrocínios adquiridos, a atleta, como mesmo já declarou, jamais alcançaria êxito. Além disso, sua entrada na Marinha não se deu por meio tradicional e sim através de vagas fruto de uma parceria entre os Ministérios da Defesa e do Esporte. Ou seja, cotas reservadas para esses atletas.

4) Mas é claro que ela conquistou por mérito próprio. O fato de ela ter recebido bolsa, além dos benefícios históricos do feminismo, só ajudou para que ela pudesse estar em uma condição mais justa (ainda que esteja longe, muito longe do ideal) de competir com quem não enfrenta problemas de misoginia, pobreza e racismo. Mérito maior é ter vencido ainda em um patamar social muito inferior à maioria de suas concorrentes. Não há problema em você falar de meritocracia esportiva, desde que você entenda antes que ela só funciona isoladamente quando houver isonomia. De resto, ou você cita exceções como se fossem regras ou você solta chorumes como esse.

5) Enquanto você resolve soltar esse meme falando pela Rafaela, com esse tom conservador, é bom lembrar que a atleta é declaradamente de esquerda. Isso não faz dela melhor ou pior, mas significa que você, sem dúvida, está utilizando a imagem da atleta para propagar uma posição política contrária a dela, o que denota uma grande desonestidade intelectual.

É triste saber que, mesmo diante do choro de desabafo pelos atos racistas que ela sofreu, alguém ainda prefira ignorar isso e tirar um discurso conservador de onde não existe. É chorume… E todo chorume fede.

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Bom… Depois da repercussão desse post, preciso pontuar algumas coisas.

– Eu deixei claro no texto que é o mérito é dela. Deve haver algum problema de leitura muito grande de algumas pessoas (problema de interpretação não é, porque o Ponto 4 está claríssimo). Pessoal, eu fui judoca e chorei com a conquista e com as palavras da Rafaela na entrevista. Eu inclusive citei no texto que o mérito dela é ainda maior por ter superado todas essas adversidades. Maior inclusive do que o da maioria de nós. Triste é alguém usar a vitória como exemplo de conservadorismo.

– Eu havia escrito “cotas” e mudei para “ações afirmativas”, porque de fato é a maneira mais correta de tratar o assunto em questão. Lembrando, ainda assim, que o ingresso dela na Marinha foi através de vagas especiais reservadas para atletas de alto rendimento.

– Não mencionei o Instituto Reação inicialmente e isso foi um erro porque não traz a história completa da atleta. Isso de forma alguma invalida a discussão do post que tem como único objetivo refutar esse discurso barato de que pra vencer, uma mulher pobre e negra não precisa de feminismo ou ações afirmativas. Balela pura (Vide Ponto 5). Na minha coluna no Huffington Post, o texto já virá modificado.

– O texto não tem intenção de enaltecer a esquerda. Também deixei claro isso (quando falo que o fato dela ser de esquerda não a torna melhor ou pior). Comento sobre o fato de usarem ela como símbolo de conservadorismo (eu nem abrangi toda a direita) quando ela é declaradamente de esquerda (portanto, não conservadora).

– Relaxem, pessoal. O mais importante em toda essa história é a vitória da atleta. Que sirva de exemplo para os mais novos. E que debates como esse alcancem um bom diálogo sempre.

Beijos e abraços.

Por Hugo Fernandes-Ferreira

 


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