Esqueça a postura daquele headbanger xiita, que se arrepia de ojeriza a qualquer subgênero do metal, só anda de preto e tem aversão a todo gênero do pop. Esse metaleiro, se é que um dia existiu além da pose, ficou definitivamente para trás. É o que se pôde perceber no segundo dia do Rock in Rio –que reuniu nomes consagrados do metal, como Angra e Metallica, e seus filhos bastardos, como o Korn e seu new metal, Gojira e seu metal progressivo e até mesmo a porrada stoner rock do Royal Blood. No “dia do metal” do festival teve até mesmo quem pintou o rosto com tintas neon e assistiu a apresentações de música eletrônica.
“Todo o mundo na escola me olha meio estranho quando eu digo que gosto de Metallica. ‘Mas você tem cara de patricinha’, dizem”, reclama a estudante Larissa Peterman, 17. Vestindo a camiseta da banda de James Hetfield, a sua favorita, ela estava curtindo o som do Tropkillaz no palco eletrônico, enquanto Mötley Crüe se apresentava no Palco Mundo. “Estou aqui [na área da eletrônica] para assistir A Liga, que eu adoro, mas vai ter que ser só um pouquinho, senão eu perco o show principal”, disse.
O Metallica, explica ela, é uma paixão herdada do pai, Pablo, que, por sua vez, fez questão de acompanhar o palco eletrônico –cheio, diga-se de passagem. “Estou aqui por ela. Acho que essa visão de roqueiro ficou no passado. No rádio do carro, eu ouço tudo, mas tenho uma amiga que ainda é muito radical, por exemplo”, disse Pablo, 44, de Santa Catarina.
Se os mais jovens já têm a cabeça –e os ouvidos– mais abertos, livre das restrições de pertencer a essa ou àquela tribo, os mais velhos têm aprendido com a própria idade a ser menos intolerantes. “Já tive cabelão, mas tive que cortar. Eu continuo gostando de tudo que sempre gostei no passado. O dia de hoje trouxe tudo o que eu gosto. Não vejo mais brigas. Os metaleiros envelheceram e se acalmaram”, disse Alexandre Dieguez, 39.
Prova disso foi o show do Korn no Palco Sunset. A apresentação da banda lotou a área secundária e selou a paz entre os headbangers mais conservadores e os seguidores do new metal, estilo com influência do hip-hop. Com pouco tempo de estrada, os britânicos do Royal Blood por pouco não tiveram a mesma sorte. No começo da apresentação, havia quem gritasse por Mötley Crüe, mas o stoner rock da dupla conquistou a horda de metaleiros com a distorção do baixo mutante de Mike Kerr.
Menos preconceito
Embora seja sempre malhado pelo perfil eclético, o Rock in Rio tem sempre reservado um ou mais dias para o rock pesado. Este ano, além do Metallica como headliner no segundo dia, o evento terá System of a Down, tocando no dia 24, junto com Queens of the Stone Age e CPM 22; e Slipknot, no dia 25, ao lado de atrações como Faith No More e Nightwish.
“O metal está muito mais aberto hoje em dia, com muito menos preconceito”, defende Bianca Soares, 31, “Até a participação das mulheres é muito maior. É quase 50/50.” O marido dela, Alessandro, 36, acredita que a distância entre as pessoas com gostos diferentes tem ficado cada vez menor. “Tribos até então proibidas de gostar de outros tipos de música estão se misturando. O próprio Rock in Rio tem colaborado para essa mudança.”
Vitor Hugo, 29, de São Paulo, concorda. “Eventos de rock de grande porte estão atraindo outros tipos de público e ficando comerciais”, acredita. Mas garante: “Mesmo assim, hoje os metaleiros vieram para ver os shows e não ficar nas atrações”, disse ele, referindo-se aos brinquedos típicos de parque de diversão, como a montanha russa e a roda gigante.
“O pessoal mais moleque é diferente. Não é que eles não tenham muito vínculo com o passado, mas não curtiram o auge nos anos 80. Para eles, as bandas novas têm o mesmo sentimento, mas com ideias diferentes. O visual mudou também. Não necessariamente precisa ter cabelo grande hoje”, observa o designer de interiores Amir Lúcio, 42, que ainda ostenta longas madeixas.
Tarcísio Alves, 33, no entanto, acredita que o metaleiro old school ainda exista –e que essa turma mais eclética não faz parte dela. “Como o Rock in Rio cresceu, ficou muito grande, eles estão vindo não só pelo evento, mas pela moda. Não que quem ouça metal hoje seja eclético, mas é bem diferente. Nos anos 1980, a galera usava mais preto. Hoje em dia, as meninas estão vindo de shortinho curto, botinha, cabelo diferente. Virou modismo. A nata mesmo tem pouco aqui, acho que só uns 30%.”
Assim como Tarcísio, há quem acredite que essa nova onda, menos adepta à camisa preta e menos fiel ao grito gutural das bandas, são sinais de puro modismo. “Acho que hoje tem uma diferença por causa da cultura brasileira, uma nova leitura, nova influência. Essa coisa do funk, do pagode, esse estereótipo atrapalhou muito a evolução do rock. O brasileiro é muito alienado. A maioria da galera que gosta de rock hoje tem a minha idade. Tenho 47, fui ao Rock in Rio em 1985. Hoje, perdeu-se muito a cultura do thrash, era uma coisa muito diferente. Era 100% melhor”, defende o músico Delano Araújo.
Fernando Maia/UOL
Por Tiago Dias
Felipe Branco Cruz
Leonardo Rodrigues
Do UOL, no Rio