Dia desses entrei em um debate num grupo de mães sobre a possibilidade de a Elsa (princesa da Disney) ter uma namorada em uma nova versão a ser lançada em breve.
Um tanto receosa me arrisquei a ler os comentários e, após a leitura de todos, com o estômago bastante embrulhado e os olhos marejados, posso dizer, sem medo de errar que nossas lamentáveis estatísticas fazem todo o sentido.
A maioria esmagadora dos comentários era contrária a essa possibilidade, embora grande parte começasse esclarecendo não ser “preconceituosa” e nem “ter nada contra o homossexualidade (sic).”
Apelou-se muito também para o fato de que simplesmente não se deveria abordar sexualidade nos desenhos (com o quê posso até concordar, mas ninguém está protestando por isso até onde me consta, então me soou aquela coisa meio “e a fome na África?”).
Até pessoas sensatas e detentoras de toda a minha admiração limitavam a análise a: “eu vou explicar quando for a hora” ou “não precisa de algo tão explícito” e ainda, “uma coisa é aceitar e outra é incentivar.” Li até que “meu primo é homossexual e até ele achou desnecessário.”
Ela foi alvejada no twitter com a hashtag #AnormalÉoTeuPreconceito, mas rapidamente essa manifestação de apoio foi suplantada pelo apoio à apresentadora através da #PatriciaAbravanelMeRepresenta.
Fato é que uma parcela mais do que considerável da sociedade entende que é “ok”excluir manifestações de afeto que não sejam heterossexuais dos olhos da sociedade, que elas podem “até ser homossexuais, mas entre quatro paredes”.
Uma expressiva quantidade de pessoas parte da premissa de que “aceita” homossexuais e isso para mim é muito louco. Ninguém deveria aceitar nada. Ninguém “aceita” que a pessoa seja loira, ou bonita, ou feia (até isso inclusive sendo algo a ser desconstruído) ou alta ou baixa.
Ninguém “aceita” que alguém seja héterosexual, então, porque raios deveria aceitar a homossexualidade alheia? As pessoas simplesmente são quem são. E se ver nas telas, nos comerciais, na rua andando de mãos dadas traz visibilidade. Traz pertencimento. Traz não ter vontade de se matar, de se mutilar, de mudar quem se é para ser aceito por quem acha que tem algo de “anormal” com você.
Estamos tão cegos pelos nossos privilégios que sequer nos damos conta de quanto invizibilizamos, excluímos e agredimos mesmo quando se diz “apenas”: “acho desnecessário.”
Esses dias uma amiga lésbica me disse:
“Não existe sair do armário! Eu preciso decidir sobre isso todos os dias. Preciso decidir no emprego novo se conto ou não. Preciso decidir na loja quando vou comprar presente pra minha mulher. Preciso decidir na rua se dou ou não a mão mesmo correndo o risco de ser espancada, ou hostilizada ou “apenas” as pessoas ficarem encarando.”
Nenhum heterossexual passa por isso. Nenhuma mulher heterossexual tem que se perguntar “será que conto no trabalho?”, ou refletir se pode dar ou não a mão na rua, um selinho ou simplesmente fazer um carinho no rosto da pessoa que ama em público. E todo esse “não poder”, o se questionar diariamente também é uma forma de agressão.
E no meio disso tudo eu li esse texto da Lana Jones e fiquei simplesmente sem palavras, sem fôlego, com um aperto enorme aqui no meio do meu peito.
Realmente as expectativas criadas em torno de um filho desde o momento de sua concepção são imensas, não apenas por mães e pais, mas por todos aqueles ao seu redor, por toda a sociedade.
Desde que soube que estou grávida de um menino nunca mais ganhei uma roupinha que não fosse azul e isso é apenas a ponta do iceberg. Tenho bem claro, por exemplo, que muitos familiares próximos já imaginam se Ricardo será advogado como os pais, se será namoradeiro ou se será “calminho”, se vai gostar de futebol como o pai e se será são-paulino.
No que se refere à identidade de gênero e sexualidade, no entanto, o ponto de partida para todas as demais conjecturas sobre a vida daquele ser, sejam elas quais forem, é o de que: (i) porque ele é um feto do sexo masculino ele será um menino e; (ii) ele será heterossexual. Ou seja, se vem ao mundo com uma boa dose de expectativas a serem atendidas e desde pequenos somos educados a seguir os padrões impostos pela sociedade no que tange à nossa sexualidade.
Há uma divisão comportamental muito clara do que se espera de meninos e de meninas e ela será a base daquilo que chamamos de heteronormatividade, ou seja, o padrão de regras que acaba limitando a liberdade do outro de viver abertamente a sua sexualidade. O resultado dessa educação sexista é a formação de adultos despreparados para aceitar e/ou conviver com o que se considera ser diferente.
Já ouvi muito: “Você gostaria que seu filho fosse gay?”. E respondo sem pestanejar: Sim. Tanto quanto gostaria que ele fosse hétero. Agora sabe o que eu não gostaria, mesmo? Que ele fosse intolerante, misógino, racista, pequeno de espírito e de compaixão e principalmente não gostaria que ele fosse infeliz.
Não vou mentir, também tenho minhas expectativas e curiosidades sobre meu filho. Será que ele vai ter covinhas? Será que ele vai gostar de carinho tanto quanto eu? Como será a risada dele? Vai ter cócegas no pescoço ou aflição quando encostarem no pé dele? Vai gostar de comida árabe, japonesa ou italiana? Vai gostar de praia? Como será a primeira vez que sentir o mar nos seus pézinhos?
Como mãe, me preocupo sim se ele será aceito, se terá amigos, se irão brincar com ele no parquinho e se o chamarão para as festinhas. Se ele vai ser um amigo querido, companheiro e se terá empatia por aqueles e aquelas que o circundarem. Mas nenhuma dessas preocupações envolvem se ele seguirá padrões impostos seja lá por quem for. Não quero que meu filho mude para se adequar ao mundo, mas que o mundo mude para aceitar a todos que por aqui circularem com amor e sabedoria.
É por isso que precisamos sim de representatividade. Precisamos urgentemente que as pessoas entendam que “o certo” não é “homem e mulher” juntos. O certo, é um relacionamento consensual onde haja respeito, reciprocidade, verdade e amor.
Para algumas pessoas o certo é sermos cidadãos de um País onde ainda se finge haver uma Constituição que protege o direito de todos e todas, mas, “Deus me livre uma princesa lésbica!”.
Bom mesmo é ter que explicar para meu filho porque a Luana Santos, mãe, negra, lésbica e trabalhadora foi morta espancada por vários policiais “porque pediu uma PM mulher para revistá-la”. Bom mesmo é ter que explicar porque o Brasil está em segundo lugar atrás apenas da Índia como destino mais inseguro para mulheres viajarem sozinhas.
Portanto, ao invés de achar automaticamente que seu filho será hétero e que você apenas terá que explicar para ele sobre diversidade, vamos partir da premissa de que ELE ou ELA podem ser homo, hétero, trans, assexual. E você só saberá mais à frente, portanto é importante que ele saiba que tudo bem ser exatamente do jeitinho que ele é. Que não é estranho, nem anormal, nem errado.
Então sim, eu quero a Elsa lésbica, a Preta de Neve e quantas mais princesas de todas as raças e etnias forem possíveis. Quero princesas gordas, cadeirantes, com vitiligo. Quero príncipes gays, trans, drags, emotivos, portadores de síndromes, autistas. Quero que todas as crianças saibam que elas existem.
Em seu livro As Origens do Totalitarismo, Hanna Arendt nos diz que o domínio totalitário:
“Baseia-se na solidão, na experiência de não se pertencer ao mundo, que é uma das mais radicais e desesperadas experiências que o homem pode ter”.
E aí eu te pergunto: “Por que você acha que o seu direito de existir é maior do que o deles?”
Fonte: HUFFPOST BRASIL
Observação: foi trocada a palavra homossexualISMO do texto original para homossexualIDADE pois “ismo” remete doença, e homossexualIDADE não é doença.