A professora Maria Elisabeth Coelho Noms, 62, se filiou ao PSD e não teve nenhum voto
Quando a professora de matemática Maria Elisabeth Coelho Noms, 62, se filiou ao PSD, em março deste ano, não imaginava que teria de enfrentar uma campanha eleitoral, como candidata, poucos meses depois.
Sem dinheiro, sem estrutura material e sem a menor noção de como pedir apoio aos eleitores, a professora bateu perna pelas ruas da vila Umbu, uma das áreas mais pobres da cidade de Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre, andou de ônibus e de táxi, conversou, ouviu, mas não adiantou: Beth Noms não teve nenhum voto na eleição municipal de outubro.
Assim como ela, muitas outras mulheres aparecem com o placar zerado na contagem do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no Rio Grande do Sul –mais precisamente, 128 candidatas.
Para o MPE (Ministério Público Eleitoral do Estado), trata-se de um indício de que essas mulheres tenham sido usadas por partidos políticos para garantir um elenco maior de homens, já que a lei eleitoral desde 2009 obriga o cumprimento da cota mínima de 30% para o gênero feminino.
Em termos nacionais, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) apurou que 16.131 candidatos terminaram a eleição municipal deste ano sem ter recebido nem sequer um voto. O levantamento revelou que o número de mulheres nessa situação é muito superior ao de homens: 14.417 candidatas contra 1.714 candidatos na mesma situação –quase nove mulheres para cada homem.
De acordo com o ministro Henrique Neves, que coordenou a apuração junto ao tribunal, o número elevado de mulheres sem votos pode ser atribuído às chamadas “candidaturas laranjas”, usadas apenas para preencher a cota obrigatória de participação feminina.
“A quantidade de candidatas que não receberam nenhum voto é preocupante e deve ser analisada de acordo com cada situação. Para que possamos chegar ao equilíbrio na representação por gênero, é necessário que seja assegurado que as mulheres possam disputar as eleições com efetiva igualdade”, advertiu o ministro.
O TSE recomendou que o Ministério Público Eleitoral de cada Estado investigasse essas candidaturas em todo o país. No Rio Grande do Sul, o MPE recomendou que seja instaurado um Procedimento Preparatório Eleitoral para apurar a veracidade dessas candidaturas.
No procedimento, podem conferir os documentos de registro de candidatura e apurar se o candidato compareceu às urnas ou se estava fora do local de eleição no dia do pleito. Também devem verificar a regularidade dos gastos de campanha, pois é comum, segundo a promotoria, “a inexistência ou insignificância de gastos” nas candidaturas fictícias.
Cidade com recorde de suspeitas
Alvorada desponta como um dos municípios recordistas de casos no Rio Grande do Sul. Na cidade, de 120 mil eleitores, sete mulheres não tiveram nenhum voto computado na eleição municipal de outubro, seja por falhas no registro das candidaturas, seja porque simplesmente desistiram ao longo da campanha. “Não sei quantos votos eu fiz, não fui ver. Mas pelo menos o meu eu tive”, diz Noms, entre incrédula com a investigação e desanimada por seu desempenho eleitoral. “Não fiz nada de errado.”
A professora conta que gastou R$ 750 do próprio bolso na campanha, basicamente em deslocamentos pelas vilas mais pobres de Alvorada. Não teve comitê eleitoral, não montou equipe, não distribuiu santinhos e soube, 15 dias antes do pleito, que seu registro havia sido negado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral). “Me deram espaço num panfleto compartilhado com a candidatura majoritária um mês antes da eleição. Disseram que eram 10 mil santinhos, mas acho que não tinha nem mil”, lamenta a professora.
A dona de casa Daniela Carravetta, 33, tem um registro parecido: filiou-se ao PSD em março, teve a candidatura indeferida e não arrecadou nenhum real para a campanha.
Assim como Noms, teve a votação zerada pelo TSE –apesar de o partido afirmar que a candidata fez mais de 700 votos. Na verdade, os 22 votos recebidos por Daniela, segundo a contagem oficial, não foram computados. “Esqueceram de registrar minha filiação no tribunal, por isso não deu. Mas eu fiz campanha, sim. Mais pela internet, mas fiz”, defende-se. Uma passada rápida pelas redes sociais da candidata, entretanto, mostra o contrário.
Além das sete candidatas “zeradas” pelo TSE em Alvorada, filiadas a vários partidos, pelo menos outras quatro candidatas do PSD desistiram da eleição antes de outubro, o que obrigou a legenda a desclassificar 12 homens para manter a proporcionalidade entre gêneros.
“O tribunal pegou muito pesado com isso. Todas as nossas candidatas fizeram campanha, não houve irregularidades”, afirma a presidente municipal do PSD, Jussara Mendes. No final das contas, a sigla não elegeu nenhum vereador na cidade.
Jussara, que foi candidata à prefeita em Alvorada, diz que várias candidaturas femininas foram indeferidas por problemas no registro junto ao TRE –o que indica que as filiações foram feitas de última hora, de acordo com o MPE.
Ela conta, entretanto, que a maioria das filiações de mulheres foi feita em março, poucas semanas antes do prazo legal de registro de candidaturas, e com objetivo eleitoral. “Todas sabiam que seriam candidatas. Talvez outros partidos tenham feito essa manobra. Nós não fizemos”, assegura.
TSE
No PSDB de Alvorada, a situação é ainda mais inusitada. A dona de casa Karen Kris, filiada em março deste ano à legenda, nem saiu de casa para fazer campanha. Assim como a aposentada Teresa Machado e a também dona de casa Simone Ribeiro.
Elas eram as únicas candidatas mulheres da coligação dos tucanos com o PV, que tampouco elegeu vereadores na cidade. A aposentada Teresa é mãe do presidente municipal do PSDB, também candidato em outubro, Emerson Machado. Nenhuma delas quis falar com a reportagem do UOL.
Emerson aceitou conversar sobre o caso, mas faltou à entrevista alegando compromissos profissionais.
Por telefone, negou qualquer irregularidade nas candidaturas femininas e se disse “tranquilo” em relação à investigação do Ministério Público Eleitoral. “A Justiça está fazendo uma novela”, desdenhou. “Vão apertar logo um partido pequeno como o nosso, sem dinheiro? Por que não vão atrás dos grandes?”
O dirigente, entretanto, reconheceu que muitas mulheres toparam ser candidatas esperando que o partido ajudasse com dinheiro para a campanha –“algumas”, segundo ele, sem especificar quantas, desistiram quando perceberam que não teriam apoio financeiro. “É difícil fazer política sem dinheiro. Como o PSDB tem apenas registro provisório aqui em Alvorada, não houve repasses do fundo partidário”, justificou.
A promotora Rochelle Danusa Jelineck, da Promotoria de Justiça Especializada de Alvorada, já concluiu que houve fraude em relação às candidaturas do PSDB da cidade. “As candidatas confirmaram que foram convidadas a disputar a eleição apenas para garantir a cota mínima de mulheres. Não houve candidaturas de fato, apenas um registro fictício”, disse. A promotora ainda analisa a possibilidade de propor uma ação criminal contra as mulheres e também contra os dirigentes partidários, já que a fraude eleitoral não resultou na eleição de nenhum parlamentar.
O dirigente do PSDB foi procurado após a manifestação da promotora e respondeu que “não houve irregularidade nas candidaturas”. “São pessoas boas, honestas e de família, que estavam agindo em prol da nossa comunidade. Se não tiveram votos, paciência. Deve ser porque desistiram da campanha durante o processo, mudaram de ideia. Isso não é ilegal. Não podemos obrigar ninguém a manter uma candidatura até o fim.”
Em Gravataí, cidade de região metropolitana de Porto Alegre com 187 mil eleitores, o fenômeno se repete. Quatro mulheres não tiveram nenhum voto registrado pelo TSE, mesmo que as candidaturas tenham sido deferidas pela Justiça eleitoral.
A comerciária desempregada Aline do Nascimento Nagera, 25, que foi candidata pelo PTC, não declarou bens à Justiça Eleitoral e tampouco recebeu doações para a campanha. Ela consta como filiada ao partido desde 2008.
A candidata não quis falar com a reportagem. O presidente do PTC de Gravataí, Jandir Giaretta, admitiu que Nascimento não fez campanha e atribuiu o registro a um erro administrativo. “Ela ia ser substituída por outra candidata, mas aí não deu certo e o nome da Aline ficou na lista. Só fomos ver depois”, justificou. A candidatura dela viabilizou a do próprio Giaretta, ou Tio São Roque, que recebeu 198 votos e não se elegeu.
Não é o único caso envolvendo o PTC no Rio Grande do Sul. Em Eldorado do Sul, outra cidade da região metropolitana de Porto Alegre, com 25 mil eleitores, a candidata Fernanda da Silva Lopes, 36, que usou o nome de Tia das Trufas na campanha, também foi zerada pelo TSE, apesar de ter sido homologada pelo tribunal. No caso, o registro permitiu a candidatura de Joel Cartana e Bica Ramos. Nenhum dos dois se elegeu.
Também há dois casos em Gravataí envolvendo a coligação do PSD com o PRTB. Simone Silva dos Santos, 45, e Cátia Berenice Valadas de Souza, 37, não fizeram nenhum voto e suas candidaturas estavam regulares, de acordo com o TSE.
Nesse caso, porém, as duas mulheres garantiram a cota para a eleição de dois vereadores do PSD na cidade: Dilamar de Souza Soares, o Dilamar, e João Batista Pires Martins, o Bombeiro Batista.
Nenhuma das candidatas aceitou conversar sobre o assunto com a reportagem do UOL. O diretório do PSD em Gravataí também não recebeu a reportagem.
Se confirmadas as fraudes, além de denunciar os responsáveis pelo crime de falsidade ideológica eleitoral, os membros do MPE podem propor a impugnação do mandato eletivo contra os candidatos homens da legenda partidária que tenham se beneficiado com a ilegalidade. Segundo a orientação, a impugnação não deve se estender às mulheres eventualmente eleitas, já que a fraude não influenciou suas candidaturas.
Fonte: Uol