Ainda que os usuários fiquem divididos sobre a determinação judicial que provocouo bloqueio do WhatsApp em todo o país por 25 horas, poucos conhecem o motivo da ação, que, em março de 2015, motivou a prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, o argentino Diego Jorge Dzodan.
Estaria certo um juiz determinar uma medida que “prejudica” milhões de usuários, como aponta a defesa? Mas, em contrapartida, seria justo uma empresa descumprir a legislação brasileira, bem como determinações judiciais, segundo o argumento da acusação? Para chegar a essas respostas, é bom entender um pouco todo esse imbróglio jurídico. Veja:
O que a Justiça brasileira pede ao WhatsApp?
A Justiça brasileira pede a interceptação e a quebra de sigilo de dados de 36 usuários. Mas, como o processo corre em segredo judicial, não se sabe ao certo quais exatamente são os dados –nome, endereço, número de telefone, conversas– solicitados. O que se sabe é que eles seriam essenciais para a investigação de um crime organizado de tráfico de drogas interestadual que tem base na cidade de Lagarto (SE).
O que diz o WhatsApp sobre o pedido judicial?
O WhatsApp afirma não ter as informações solicitadas pela Justiça brasileira e cita a criptografia do sistema para justificar a sua afirmação. Com a tecnologia, as mensagens são embaralhadas ao deixar o telefone da pessoa que as envia e só conseguem ser decodificadas no telefone de quem as recebe. Além disso, segundo a empresa, nenhuma mensagem é guardada em seus servidores e, mesmo que fossem, chegariam ao servidor do app codificadas. Segundo a empresa, eles só possuem os números de telefone dos usuários.
Ao usar a sua página no Facebook para se manifestar sobre a decisão da Justiça brasileira, o cofundador e presidente do WhatsApp, o ucraniano Jan Koum, ressaltou que não tem a intenção de comprometer a segurança dos usuários em todo o mundo. Uma briga que vem ganhando força a cada nova decisão da Justiça.
O que diz o desembargador que negou o recurso ao WhatsApp?
O desembargador Cezário Siqueira Neto, do Tribunal de Justiça de Sergipe, quenegou o primeiro recurso apresentado pelo WhatsApp para a liberação do aplicativo em todo o Brasil, disse que a empresa nunca se sensibilizou em enviar especialistas para discutir com o magistrado e com as autoridades policiais interessadas sobre a viabilidade ou não da execução da medida.
“Preferiu a inércia, quiçá para causar o caos, e, com isso, pressionar o Judiciário a concordar com a sua vontade em não se submeter à legislação brasileira”, alegou Neto, que reconheceu os impactos da medida sobre milhões de usuários, mas destacou que existem diversos outros aplicativos com a mesma função do WhatsApp,
O que diz o desembargador que liberou o WhatsApp?
Para o desembargador Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, a proibição do app no Brasil gerou um “caos social” e como, para ele, não há como afirmar se o WhatsApp tem ou não a capacidade técnica de fornecer o que pede a Justiça, então seria melhor liberar o app. Lima diz ainda que a questão poderia ser resolvida pelo STF (Superior Tribunal Federal), que daria uma palavra final sobre a legalidade do bloqueio.
O que diz a lei brasileira?
O Marco Civil da Internet –que regula o uso da Internet no Brasil– obriga as empresas de aplicações com representação no país a guardarem dados e registros de acesso dos usuários por um período mínimo de seis meses e os forneçam mediante ordem judicial. Prazo que pode se estender a depender da ordem judicial. Também está na lei que o fluxo de comunicação assim como as comunicações privadas armazenadas são invioláveis e têm sigilo, com exceção a casos em que há ordem judicial. Há ainda um parágrafo que diz que o provedor deve fornecer “dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial” e que “o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial”.
Caso o WhatsApp não tenha condições técnicas para atender ao pedido da Justiça, é preciso se manifestar e, em alguns casos, até apresentar laudos técnicos que justifiquem a impossibilidade.
O que o WhatsApp diz em sua política de privacidade?
A página de termos de serviço do WhatsApp cita (em inglês) a possibilidade de guardar informações dos usuários como data e hora das mensagens enviadas associadas aos respectivos celulares da conversa, além de arquivos trocados. Esses dados ficariam nos servidores por um “curto período de tempo” e depois seriam deletados.
“O WhatsApp pode guardar informações de data e hora associadas a mensagens entregues com sucesso e os números de telefone celular envolvidos nas mensagens, bem como qualquer outra informação que WhatsApp seja legalmente obrigado a recolher. Arquivos que são enviados através do serviço WhatsApp irão residir em nossos servidores após a entrega por um curto período de tempo, mas são excluídos e despojados de qualquer informação identificável por um curto período de tempo, de acordo com as nossas condições gerais de retenção”, diz o site.
O que dizem as associações de defesa do consumidor?
Para os órgãos de defesa do consumidor, o bloqueio do WhatsApp é ilegal. Segundo a Proteste, a ação fere dois pilares do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965): a neutralidade da rede e a inimputabilidade, ou seja, o fato de que os provedores de conexão não respondem pelos crimes praticados por terceiros. Também destaca os prejuízos “inestimáveis ao impedir milhões de brasileiros de trocar mensagens instantâneas, que hoje desempenham um papel fundamental na comunicação da sociedade”.
O que os especialistas em direito digital dizem?
Há duas principais linhas de posicionamento. Alguns especialistas em direito digital apontam o bloqueio como uma medida desproporcional e uma ameaça ao princípio de neutralidade de rede e à liberdade de expressão de milhares de usuários. Já outros defendem a medida como necessária para forçar as grandes empresas –como no caso do WhatsApp– a respeitarem a “soberania nacional” e as “ordens judiciais”. Também dizem que o aplicativo deveria desenvolver técnicas para quebrar a criptografia em casos de ordem judicial, como já ocorre com o sistema de telefonia.
Privacidade versus bem comum
A discussão que agora ganha força é sobre o que é mais importante: garantir a privacidade das pessoas sobre qualquer outro direito e sem nenhuma possibilidade de quebra ou, em face do bem comum, da busca por criminosos, que a privacidade de suspeitos possa ser quebrada? Depois de Edward Snowden ter revelado que as redes sociais forneciam dados de usuários para o governo dos EUA e o FBI pedir a quebra da senha do iPhone de um terrorista, o que foi negado pela Apple, a questão se tornou mais latente.
Fonte: Uol